São Paulo, quinta-feira, 21 de maio de 2009

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Irlanda teve "abuso endêmico" cometido por padres e freiras

Estado delegou cuidado de crianças a reformatórios onde eram violentadas, conclui comissão

Apuração levou dez anos entrevistando ex-internos; vítimas se revoltaram com ausência de nomes dos molestadores no texto

DA REDAÇÃO

Comissão instalada há dez anos pelo governo da Irlanda para investigar casos de maus-tratos contra crianças em reformatórios, orfanatos e escolas técnicas geridos pela Igreja Católica concluiu em relatório divulgado ontem que a prática de abusos físicos e sexuais nesses locais era "endêmica".
Segundo o relatório, elaborado por uma comissão liderada pelo juiz Sean Ryan, da Corte Suprema irlandesa, instituições administradas por ordens religiosas da década de 1930 aos anos 90 e encarregadas pelo Estado de cuidar de crianças e jovens infratores ou provenientes de "famílias disfuncionais" impunham um "terror" cotidiano a seus internos.
A reação das vítimas ao tão aguardado relatório foi de revolta, já que nenhum nome dos agressores e molestadores foi divulgado. A omissão é resultado de decisões judiciais conseguidas nos últimos anos pelas ordens religiosas encarregadas pelo Estado de administrar os reformatórios.
Foram entrevistados cerca de mil ex-internos de mais de 200 instituições que, estima-se, receberam cerca de 30 mil pessoas em seis décadas e meia.
O relatório responsabiliza os administradores diretos dos reformatórios -padres e freiras católicos-, seus superiores hierárquicos -bispos e arcebispos- e o Estado irlandês pelos abusos. "Crianças viviam o terror cotidiano de não saber de onde viria a próxima surra", diz o texto.

Fome e humilhações
O documento fala que muitos, com fome, tinham que procurar comida em latas de lixo. Num dos exemplos de maus-tratos e humilhações, é descrito o castigo de um garoto que teve que lamber excrementos da sola do sapato de um padre.
Os responsáveis diretos pela administração dos reformatórios, apurou a comissão, praticavam rotineiramente violências físicas e, em alguns casos, estupraram crianças.
"Quando confrontados com provas de abusos sexuais, a resposta das autoridades religiosas era a transferência do acusado para outros locais, onde, muitas vezes, estavam livres para agir de novo", diz o texto.
O Estado é responsabilizado por não ter impedido os abusos. Quando autoridades eram alertadas sobre os problemas, "mantinham-se em silêncio".
Com a ausência de nomeação dos responsáveis, ninguém deve ser processado com base no documento.
O coordenador do grupo Sobreviventes de Abuso Infantil (Soca, na sigla em inglês), John Kelly, diz ter recebido ligações ontem, ao longo do dia, de vítimas dessas instituições. "Eles sentem que suas feridas foram reabertas a troco de nada. Prometeram-lhes justiça, e agora se sentem traídos."
Muitas das crianças que chegavam a esses reformatórios e escolas administrados pela igreja eram filhos de mães solteiras ou acusados de pequenas infrações.


Com agências internacionais


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