São Paulo, sexta-feira, 21 de maio de 2010

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Quem rejeita acordo quer inimigos, diz Lula

Brasileiro afirma que o trato com o Irã responde a exigências de potências e que espera que elas agora façam sua parte

Chanceler da França revela que sanções já têm apoio de 12 dos 15 países do Conselho de Segurança; pela 1ª vez, Irã admite chance de um recuo


Atta Kenare/France Presse
Três alpinistas americanos detidos em julho do ano passado pelo Irã, após supostamente entrar no país pela fronteira com o Iraque, recebem a visita das mães, em Teerã; o governo alegou razão humanitária para a inusual visitação aos presos, acusados de espionagem e ligações com a inteligência dos EUA -o que eles negam

SIMONE IGLESIAS
FÁBIO AMATO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Após ver o acordo nuclear entre Brasil, Irã e Turquia ser recebido com ceticismo pela comunidade internacional, liderada pelos EUA, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem que aqueles que não aceitam os termos do entendimento anunciado o fazem porque precisam ter um inimigo.
Ele afirmou que sua ida ao Irã para discutir um acordo com o presidente Mahmoud Ahmadinejad foi uma contribuição ao multilateralismo que tem de ser levada em consideração por todas as nações.
"É muito engraçado que algumas pessoas não gostaram que o Irã aceitasse a proposta, porque tem gente que não sabe fazer política se não tiver o inimigo, e sou daqueles que só sabem fazer política construindo amigos", disse Lula, em discurso na 13ª Marcha dos Prefeitos.
"Fomos ao Irã e conseguimos fazer aquilo que o Conselho de Segurança [da ONU] queria que fosse feito há seis meses."
O Conselho de Segurança, porém, se prepara desde terça para votar novas sanções a Teerã. Ontem, o chanceler francês, Bernard Kouchner, anunciou que a resolução para novas punições já tem o apoio de 12 dos 15 membros do conselho.
Os únicos a resistir são justamente Brasil e Turquia, além do Líbano, país onde a milícia xiita Hizbollah, ligada ao Irã, integra o governo.
Segundo Kouchner, "a partir do início de junho, o texto será discutido, melhorado e, eventualmente, votado". Para a aprovação, são precisos apenas nove votos, além de nenhum veto dos cinco membros permanentes -condição já garantida pelo endosso da Rússia e da China à proposta em discussão.
Ontem, pela primeira vez, uma autoridade iraniana falou na possibilidade de cancelar o acordo com Brasil e Turquia para o envio de 1.200 quilos de seu urânio ao exterior.
"Se aprovarem uma nova resolução contra o Irã, não nos sentiremos obrigados a respeitar o acordo de Teerã e cancelaremos o envio de urânio ao exterior", disse o vice-presidente do Parlamento iraniano, Mohamad Reza Bahonar.
O acordo prevê que o Irã envie parte de seu estoque de urânio para a Turquia em até um mês após sua aprovação pela AIEA (agência atômica da ONU) e a devolução de 120 kg do material processado a 20%, nível próprio para uso medicinal, em no máximo um ano.
O trato é variação de proposta feita pela AIEA ao Irã em outubro, com a diferença de que, segundo o plano original, o destino do urânio seria a Rússia.
As potências alegam, porém, que hoje os 1.200 kg representam fração menor do estoque iraniano de urânio do que há sete meses, e que, com o combustível remanescente, Teerã ainda poderia fazer a bomba.

Críticas
Lula se mostrou ontem irritado com a repercussão negativa do acordo. "O Brasil não tem que pedir licença a ninguém para conversar com quem quer que seja, porque nós temos maioridade e temos competência para isso."
Afirmou ainda que fica "triste" porque o Brasil não consegue superar complexo de inferioridade e reclamou da "elite política" que escreve artigos e colunas nos jornais criticando sua interferência nas discussões de paz no Oriente Médio.
"Temos uma parte da nossa elite política que escreve colunas e fica dizendo "por que o Brasil tinha que se meter?"."
Lula evocou a negociação que conduziu pela libertação de Clotilde Reiss, professora francesa detida desde os protestos pós-reeleição de Ahmadinejad, em junho de 2009.
"Discutir [com o Irã] não foi tarefa fácil. Estamos discutindo há quatro meses com o Irã para a francesa ser solta. Ninguém sabia, até que ela foi libertada. Não precisa fazer política pela imprensa. Para a imprensa, você anuncia o resultado."
"A verdade nua e crua é a seguinte: o Irã, que era vendido para todo mundo como se fosse o demônio, e que não queria negociar, resolveu sentar à mesa de negociação. Eu quero ver se os outros vão cumprir aquilo que queriam que o Irã fizesse."


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