São Paulo, sexta-feira, 21 de maio de 2010

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OPINIÃO

O tropeço do Brasil no Irã

ANDRES OPPENHEIMER
DO "MIAMI HERALD"

A AUTOPROCLAMADA vitória diplomática do Brasil no Irã no início da semana levou comentaristas a afirmar que o país teria se convertido num novo protagonista da diplomacia mundial. Mas é provável que tenham se enganado, ou, no mínimo, falado antes da hora.
Em vez disso, o anúncio feito na segunda pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que Brasil e Turquia tinham mediado um acordo com o Irã para resolver a crise internacional em torno do programa nuclear iraniano pode ficar na história como caso típico de megalomania diplomática.
O anúncio pode também levantar perguntas crescentes sobre o porquê de Lula estar tentando resolver sozinho os maiores problemas do mundo -como o programa nuclear iraniano ou, semanas antes, o conflito israelo-palestino- ao mesmo tempo em que praticamente não move uma palha para tentar mediar disputas que estão muito mais perto de casa, na própria América Latina.
Após firmar o acordo entre os três países durante sua visita ao Irã, Lula, enlevado, ergueu suas mãos com o homem-forte iraniano Mahmoud Ahmadinejad e o primeiro-ministro turco Recep Tayyip Erdogan e proclamou que o acordo foi "uma vitória da diplomacia".
Pelo pacto, o Irã concordou em enviar 1.200 quilos de urânio pouco enriquecido à Turquia. Em troca, receberia mais ou menos um ano mais tarde 120 quilos de urânio enriquecido da Rússia e da França. O acordo é semelhante ao proposto em outubro por EUA, Rússia, China e Europa, que o Irã chegou a sinalizar que aceitaria para depois recuar.
Defensores do esforço de mediação brasileiro-turco observam que o Irã fez concessões importantes no novo acordo: até agora, Teerã vinha rejeitando a ideia de armazenar seu urânio no exterior e exigia que qualquer troca fosse feita de maneira simultânea.

Sanções
Contudo, horas apenas depois de Lula ter declarado vitória, a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, anunciou que o governo Obama tinha fechado um acordo com Rússia, China, França e Reino Unido para impor sanções ao Irã.
Em outras palavras, as potências mundiais viram o trato feito pelo Irã com o Brasil e a Turquia como mais uma tentativa de Teerã de ganhar tempo enquanto continua a construir armas nucleares em segredo. Especialistas em proliferação nuclear dizem que o pacto Brasil-Turquia-Irã para reativar o plano de outubro foi falho porque as circunstâncias mudaram significativamente desde então: o Irã continuou a enriquecer urânio a todo vapor nos últimos sete meses.
Isso significa que o acordo prevê a troca de uma porcentagem muito menor do estoque de urânio iraniano do que previa o plano anterior. "Não acho que tenha sido uma vitória diplomática", diz Sharon Squassoni, especialista em proliferação nuclear do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais de Washington. "Foi, na verdade, uma iniciativa preventiva da parte do Irã para evitar novas sanções. Como tal, fracassou."

Vizinhos
Minha opinião: não há nada de errado em uma potência emergente como o Brasil tentar resolver grandes crises internacionais, apesar de Lula ter um histórico lamentável de sempre partir para o resgate de alguns dos ditadores mais implacáveis do mundo. Eu gostaria muito de ver o Brasil assumindo riscos para apoiar a democracia e os direitos humanos.
Mas por que o Brasil não tenta mediar o conflito entre Venezuela e Colômbia em torno das Farc? Ou a disputa prolongada entre Argentina e Uruguai em torno de uma fábrica de celulose na fronteira entre os países? Ou a disputa territorial entre Chile e Peru? Ou o conflito entre Equador e Colômbia suscitado pelo ataque de 2008 contra uma base da guerrilha colombiana no Equador?
O Brasil provavelmente considera que as disputas latino-americanas não fazem jus a sua estatura internacional. É possível que tema que exercer um papel pacificador maior na região seja acompanhado de responsabilidades econômicas que não deseja assumir.
Mas não é possível ser um anão diplomático em sua própria região e tentar ser um gigante longe de casa. Se o Brasil quiser ser um ator construtivo nos assuntos internacionais, poderia começar por comportar-se como tal em casa.

Tradução de CLARA ALLAIN



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