São Paulo, quarta-feira, 21 de junho de 2006

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Iraque ruma ao caos, alerta americano

Documento secreto enviado por embaixador dos EUA em Bagdá a Rice descreve país em colapso e contrasta com otimismo de Bush

Iraquianos citam piora da segurança, retrocesso nos costumes, crescimento de atritos sectários e falta de autoridade do governo local


DA REDAÇÃO

Um memorando confidencial da Embaixada dos EUA em Bagdá obtido pelo jornal "The Washington Post" pinta um quadro sombrio da vida no Iraque, descrito como um país em colapso e nas mãos de milícias.
Assinado pelo embaixador Zalmay Khalilzad, o documento foi enviado ao Departamento de Estado, em Washington, no último dia 6. Seu conteúdo diverge totalmente das manifestações otimistas recentes das autoridades iraquianas e do próprio presidente George W. Bush sobre a situação do país.
O texto é baseado nas experiências de nove funcionários iraquianos da embaixada, que dizem ter suas rotinas afetadas pela crescente pressão de islâmicos radicais e de milícias.
Uma funcionária foi "aconselhada" por uma mulher desconhecida em seu bairro a usar um véu e a não dirigir. "Ela disse que alguns grupos estão pressionando as mulheres a cobrir até mesmo o rosto, coisa que nem o Irã em seu período mais conservador adotou", diz o texto.
Outra diz que mulheres estão sendo pressionadas a parar de usar telefones celulares - "supostos canais para relacionamentos libertinos com homens". Ameaças contra mulheres que não aceitam ser tratadas como segunda classe aumentaram nos últimos meses.
Mas a pressão não atinge só as mulheres. "É perigoso agora para homens vestir shorts em público; eles já não deixam as crianças brincarem nas ruas de shorts. Pessoas que usam jeans em público têm sido atacadas."
Os funcionários relatam ainda viver sob o medo de que outros iraquianos, até mesmo seus familiares, descubram que eles trabalham para os EUA, e manifestam desconfiança sobre as forças de segurança.
"Funcionários começaram a apontar uma mudança no comportamento dos guardas nos postos de passagem da Zona Verde [onde fica a embaixada]. Eles pareciam milicianos", diz.
"Uma empregada pediu que lhe conseguíssemos uma credencial de jornalista porque os guardas exibiam seu crachá e proclamavam em voz alta "embaixada" quando ela entrava. Informações desse tipo são uma sentença de morte se ouvidas pelas pessoas erradas."

Segurança
O documento evidencia a autoridade limitada dos EUA e do governo iraquiano em Bagdá. "Os funcionários relatam que a segurança e outros serviços estão sendo redirecionados por "provedores locais" cuja afiliação é vaga. A segurança pessoal depende de boas relações com os governos "da vizinhança", que fazem barricadas nas ruas e espantam os forasteiros."
Com a temperatura chegando aos 46C, os funcionários afirmam receber uma hora de energia elétrica para cada seis horas sem. A área de Bab al Mu'atham, no centro de Bagdá, está sem energia há mais de um mês. Mas um prédio onde vive um dos novos ministros começou a receber energia elétrica durante as 24 horas do dia assim que ele foi designado.
O memorando afirma ainda que tensões sectárias estão provocando conflitos dentro das famílias. A vida fora da Zona Verde é descrita como "emocionalmente exaustiva".
"O peso da responsabilidade, o estresse vindo de círculos sociais que cada vez mais desaprovam a presença da coalizão e as ameaças diárias têm um enorme peso", relata um funcionário que diz comparecer a um funeral "todas as noites".


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