São Paulo, quarta-feira, 21 de junho de 2006

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Argentina julga 1º membro do regime militar em 21 anos

Ex-chefe de polícia, Miguel Etchecolatz, 76, é acusado de tortura, assassinatos e desaparecimentos durante ditadura

Julgamento, que deve levar três meses, firma debate de responsabilidade em crimes cometidos sob a ditadura, bandeira de Néstor Kirchner


FLÁVIA MARREIRO
DE BUENOS AIRES

Vinte e um anos depois do histórico julgamento dos ditadores e generais argentinos por crimes cometidos durante o regime militar no país (1976-1983), um ex-investigador de polícia acusado de ter torturado presos políticos e participado do seqüestro e morte de pelo menos seis pessoas voltou ontem ao banco dos réus.
Trata-se de Miguel Etchecolatz, 76, ex-chefe da polícia da Província de Buenos Aires. Seu julgamento é o primeiro de uma série, produto do fim das chamadas "lei do ponto final" e de "obediência devida".
No ano passado, a Corte Suprema argentina, de maioria pró-governo, revogou a legislação que protegia suspeitos de colaborar com o regime. O entendimento da legislação até então era de que funcionários e militares de baixa patente apenas recebiam ordens de superiores e, por isso, deveriam se livrar das ações abertas contra eles após a volta da democracia.
Agora, segundo estimativas da ONG Cels (Centro de Estudos Legais e Sociais), outras 206 pessoas serão julgadas por participação na "guerra suja". Há duas grandes ações em tramitação, uma delas envolvendo funcionários da Esma (Escola de Mecânica da Armada), a maior prisão ilegal do período. O regime militar argentino é acusado de ter feito desaparecer 30 mil.
Em um auditório da Prefeitura de La Plata (70 km de Buenos Aires) adaptado, Etchecolatz foi recebido a gritos de "genocida" por cerca de 500 militantes de direitos humanos.
O ex-comissário se negou a falar. Seus advogados afirmaram que ele "cumpriu ordens e atuou em uma situação jurídica de guerra". Por isso, a defesa pediu que ele fosse julgado por um tribunal militar.
Etchecolatz foi o principal colaborador do general Ramón Camps, chefe da Polícia da Província de Buenos Aires. Chegou a ser julgado na ação aberta contra Camps, mas foi beneficiado pela legislação em vigor.
Há alguns anos, em um programa de TV, o ex-comissário afirmou que as torturas a que submeteu o ex-deputado Alfredo Bravo, já morto, "foram benéficas para sua saúde". Agora ele prefere não falar com a imprensa, informou a família.
As sessões devem levar três meses, tempo para ouvir 133 testemunhas -inclusive o ex-presidente Raul Alfonsín (1983-1989) e a ex-presidente deposta pelos militares, Isabel Perón, hoje na Espanha.
O julgamento de Etchecolatz reinstala de vez o tema das responsabilidades pelos crimes do regime militar -uma bandeira do governo Néstor Kirchner, que promoveu a revogação das leis e transformou em "feriado reflexivo" a data do golpe.


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