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Argentina julga 1º membro do regime militar em 21 anos
Ex-chefe de polícia, Miguel Etchecolatz, 76, é acusado de tortura, assassinatos e desaparecimentos durante ditadura
Julgamento, que deve levar três meses, firma debate de responsabilidade em crimes cometidos sob a ditadura, bandeira de Néstor Kirchner
FLÁVIA MARREIRO
DE BUENOS AIRES
Vinte e um anos depois do
histórico julgamento dos ditadores e generais argentinos por
crimes cometidos durante o regime militar no país (1976-1983), um ex-investigador de
polícia acusado de ter torturado presos políticos e participado do seqüestro e morte de pelo
menos seis pessoas voltou ontem ao banco dos réus.
Trata-se de Miguel Etchecolatz, 76, ex-chefe da polícia da
Província de Buenos Aires. Seu
julgamento é o primeiro de
uma série, produto do fim das
chamadas "lei do ponto final" e
de "obediência devida".
No ano passado, a Corte Suprema argentina, de maioria
pró-governo, revogou a legislação que protegia suspeitos de
colaborar com o regime. O entendimento da legislação até
então era de que funcionários e
militares de baixa patente apenas recebiam ordens de superiores e, por isso, deveriam se
livrar das ações abertas contra
eles após a volta da democracia.
Agora, segundo estimativas
da ONG Cels (Centro de Estudos Legais e Sociais), outras
206 pessoas serão julgadas por
participação na "guerra suja".
Há duas grandes ações em tramitação, uma delas envolvendo
funcionários da Esma (Escola
de Mecânica da Armada), a
maior prisão ilegal do período.
O regime militar argentino é
acusado de ter feito desaparecer 30 mil.
Em um auditório da Prefeitura de La Plata (70 km de Buenos Aires) adaptado, Etchecolatz foi recebido a gritos de "genocida" por cerca de 500 militantes de direitos humanos.
O ex-comissário se negou a
falar. Seus advogados afirmaram que ele "cumpriu ordens e
atuou em uma situação jurídica
de guerra". Por isso, a defesa
pediu que ele fosse julgado por
um tribunal militar.
Etchecolatz foi o principal
colaborador do general Ramón
Camps, chefe da Polícia da Província de Buenos Aires. Chegou
a ser julgado na ação aberta
contra Camps, mas foi beneficiado pela legislação em vigor.
Há alguns anos, em um programa de TV, o ex-comissário
afirmou que as torturas a que
submeteu o ex-deputado Alfredo Bravo, já morto, "foram benéficas para sua saúde". Agora
ele prefere não falar com a imprensa, informou a família.
As sessões devem levar três
meses, tempo para ouvir 133
testemunhas -inclusive o ex-presidente Raul Alfonsín
(1983-1989) e a ex-presidente
deposta pelos militares, Isabel
Perón, hoje na Espanha.
O julgamento de Etchecolatz
reinstala de vez o tema das responsabilidades pelos crimes do
regime militar -uma bandeira
do governo Néstor Kirchner,
que promoveu a revogação das
leis e transformou em "feriado
reflexivo" a data do golpe.
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