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Planalto reinterpreta fala de Lula sobre pleito iraniano
Marco Aurélio Garcia minimiza comparação de protestos no Irã a atitude de perdedor
Assessor da Presidência afirma que Brasil ainda não adotou uma posição oficial sobre a contestada reeleição de Ahmadinejad no Irã
CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO
Enquanto a polarização política no Irã aumenta o debate
sobre o tom mais adequado das
reações de governos estrangeiros, o Planalto tenta relativizar
as declarações feitas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva
-que comparou a oposição iraniana a uma torcida de futebol
perdedora- e afirma que o Brasil ainda não tem posição final
sobre o tema.
"Nós temos que observar. O
governo, informado pela embaixada, fará suas análises. Vamos discutir isso com o presidente, e isso vai servir para
orientar nossa postura concreta", diz Marco Aurélio Garcia,
assessor para assuntos internacionais da Presidência.
Ele não quis adiantar o que o
governo fará caso o confronto
entre linha dura e reformistas
resulte em mais violência: "Vamos ver. Pode ter certeza de
que o Brasil não vai se omitir".
Ao mesmo tempo, reitera que a
orientação "não é ficar distribuindo certificado [de comportamento democrático]".
"Se você começa a distribuir
certificado, esses países vão se
fechar, isso será usado como
um argumento conservador-nacionalista."
Garcia estava com Lula em
Genebra na segunda-feira passada, quando o presidente,
mesmo ressalvando que esperava mais informações, disse
ter a impressão de que era "protesto de quem perdeu" a reação
opositora à proclamação da vitória do presidente iraniano,
Mahmoud Ahmadinejad.
Questionado então se o Brasil reconhecia a reeleição de
Ahmadinejad, o chanceler Celso Amorim disse que era preciso aguardar. Mas Lula depois
reafirmou que achava difícil
que tivesse havido fraude, dada
a vantagem de 30 pontos do
vencedor na contagem oficial.
Exceção
O Brasil não costuma se pronunciar de maneira tão direta
sobre a política interna alheia, e
as frases de Lula causaram críticas e estranheza.
Antônio Carlos Lessa, professor do Instituto de Relações
Internacionais da UnB (Universidade de Brasília), acha que
a posição adequada no caso seria aguardar o desfecho da crise. "É um assunto interno do
Irã, e o Brasil não tem motivos
para se pronunciar. O desejável
seriam manifestações menos
específicas, como afirmar que a
verdadeira vontade dos eleitores deve ser respeitada."
Também da UnB, Eduardo
Viola se diz perplexo -"foi a
única democracia que reagiu
assim"- e recomenda fórmula
parecida. Ele considera que de
fato houve fraude, mas que
apontá-la de fora "daria argumentos à linha dura".
Já Maria Regina Soares de
Lima, do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio),
defende Lula. Para ela, o presidente quis indicar que "não se
poderia lutar contra um resultado" eleitoral. "A frase tem
que ser colocada no contexto
de uma política externa de não
intervenção."
A professora diz que a polêmica baseia-se na "visão equivocada" de que o Brasil poderia
evitar relacionar-se com governos "complicados". "Se o Brasil
pretende ter um papel internacional, terá de ter relações com
países cujo sistema político não
é igual ao nosso."
Marco Aurélio Garcia argumenta que Lula trabalhava com
a "posição ponderada" do governo americano e com declarações de Javier Solana, chefe
da diplomacia da União Europeia -que, em visita ao Egito,
dissera que "a análise das eleições levará algum tempo".
Mas, no mesmo dia, o Conselho Europeu divulgou nota em
que, sem tomar partido sobre o
resultado eleitoral, dizia-se "seriamente preocupado com o
uso da força contra manifestantes pacíficos". Logo depois,
o presidente francês, Nicolas
Sarkozy, falou em "fraude".
Na ocasião, Sarkozy acabava
de voltar do enterro do ditador
Omar Bongo, que governou por
41 anos o Gabão, Estado-cliente da França. A coincidência
mostra como é difícil manter
coerência quando um país tem
relações globais. "Em todas as
grandes potências há contradições entre o interesse nacional
imediato e os valores", comenta Viola.
Marco Aurélio Garcia rejeita
a comparação entre a posição
de Lula e a do venezuelano Hugo Chávez, que manifestou solidariedade a Ahmadinejad ante
o "ataque do capitalismo mundial" -a linha dura iraniana
atribui os protestos, cujos líderes fazem parte da elite do regime, a orquestração externa.
"Não há uma aliança estratégica Brasil-Irã, nem isso está em
perspectiva", disse Garcia.
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