São Paulo, sexta-feira, 21 de julho de 2006

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De ônibus, 800 brasileiros seguem para a Turquia

DO ENVIADO A BEIRUTE
DA AGÊNCIA FOLHA

Cerca de 800 brasileiros deixarão hoje o Líbano em 16 ônibus fretados pelo consulado em Beirute, de onde partirá somente um deles. Os demais sairão da cidade de Majdel Anjar, no vale do Bekaa, a 4 km da fronteira com a Síria. Será a segunda operação de retirada de brasileiros do país em menos de uma semana, depois da realizada na última segunda-feira. Além do ponto de partida e do trajeto, outra diferença entre as duas viagens será o perfil dos passageiros. De Beirute partirão basicamente turistas, a maioria descendente de libaneses em férias no país. Em Majdel Anjar embarcarão cidadãos brasileiros com dupla nacionalidade, muitos dos quais sofreram de perto os efeitos dos bombardeios israelenses por morarem no sul do país ou estarem em visita à região. "São pessoas carentes, muitos ficaram desabrigados por terem sido forçados a deixar a região em que moravam, que estava sob bombardeio", explicou o cônsul-geral do Brasil em Beirute, Michael Gepp, cuja mulher estará no ônibus que sairá hoje de Beirute. Sete brasileiros já morreram nos bombardeios em retaliação ao seqüestro de dois soldados israelenses pelo grupo fundamentalista Hizbollah. Ontem, ao lamentar as baixas civis, o brigadeiro-general israelense Shuki Shachar citou com pesar os brasileiros mortos. "Só posso lamentar a morte de civis, principalmente de brasileiros, de quem tanto gostamos aqui em Israel", disse o militar à Folha. "Fazemos de tudo para evitar a morte de civis, mas em mil ataques aéreos e 3.000 tiros de artilharia acontecem erros." Shachar repetiu a acusação de que o Hizbollah "faz uso cínico da população, escondendo homens e munição em instituições públicas e mesquitas". As críticas de alguns brasileiros à lentidão com que o Brasil vem organizando a retirada de seus cidadãos foram consideradas injustas pelo cônsul-geral Michael Gepp. "Não se pode comparar os nossos recursos com os dos Estados Unidos, por exemplo. Apesar disso, estamos trabalhando para ajudar aos que querem sair, que não são todos", disse.

Número impreciso
A embaixada tem encontrado dificuldades para calcular com precisão o número de cidadãos brasileiros no país. Segundo Gepp, em uma pesquisa feita com agências de viagens, chegou-se a uma estimativa que varia entre 400 e 500 turistas brasileiros em Beirute. No total, entre turistas e residentes, Gepp disse que o número deve estar em torno de 70 mil, bem menos que os 200 mil já citados em alguns cálculos. Mas Gepp faz uma ressalva: "É difícil saber com precisão quantos portadores de passaporte brasileiro há no Líbano, porque muitos não estão registrados na embaixada. Além disso, há também casos de passaportes falsificados", explica o diplomata, que conta que tornou-se comum nos últimos dias pessoas que se declaram brasileiras ligarem para o consulado em busca de informações sobre a retirada sem falar uma só palavra de português. Vivendo o drama da guerra, porém, em condições diferentes, brasileiros em Beirute e Majdel Anjar voltarão ao país por vias distintas. Os primeiros serão transportados até a cidade de Adana, no sul da Turquia, para onde pegarão um vôo doméstico até Istambul por conta própria e tentarão mudar os bilhetes aéreos que já possuem. Os passageiros dos 15 ônibus que sairão do vale do Bekaa seguirão para o mesmo destino, onde serão embarcados pela FAB em dois aviões. Segundo Gepp, o Brasil requisitou à Otan (aliança militar ocidental) o uso da base aérea de Incirlik, que fica no aeroporto de Adana, mas só a pista do local foi liberada, para operações de pouso e decolagem.

Via Venezuela
A Embaixada da Venezuela em Damasco, na Síria, acolheu ontem uma família brasileira que tentava deixar o Líbano "apavorada" com os conflitos no país. Wasa Yunes e os dois filhos, de oito e seis anos, estavam havia seis meses no país e conseguiram um lugar em um vôo com destino a Caracas graças ao cunhado dela, o médico brasileiro Hussein Omairi, 42. Ele está há 13 anos no Líbano e, por meio de um amigo de infância argentino, que trabalha na Embaixada da Venezuela, soube que seria possível retirar os familiares da região do conflito devido a uma "ordem do presidente Hugo Chávez". "Parece até brincadeira, mas ele me disse que Chávez pediu para facilitar a volta para tudo quanto é latino. Foi o único jeito. A Embaixada Brasileira está pouco se lixando para quem está por aqui." Nascido em Frederico Westphalen (RS), pai de três filhos -dois libaneses e uma brasileira- e casado com uma libanesa, Omairi não pensa em deixar o Líbano por devoção à profissão, mas diz que se desencantou com o governo brasileiro. "Há anúncios ao cidadão filipino, ao indiano, ao americano, ao alemão, ao canadense, do tipo: "Comecem a se juntar amanhã a partir de tal hora, que vão ser deslocados com navio de guerra, com navio de transporte e o diabo a quatro". E a nossa embaixada, nada. Nenhum manifesto, nenhum consolo." Segundo o médico brasileiro, não é todo mundo que quer ir embora, especialmente em sua região, o vale do Bekaa, onde ainda não há bombardeios. "Mas, se continuar esse conflito, pouca gente vai desejar ficar. Só na minha cidade, Lala, há 2.500 habitantes; no mínimo 500 pessoas são brasileiras ou naturalizadas. Há outras cidades próximas em que metade da população também é. Como é que vai colocar apenas cem lugares para a região toda?", perguntou Omairi.
(MARCELO NINIO E THIAGO REIS)


Colaboraram MICHEL GAWENDO , de Israel, e MÁRCIO PINHO DE CARVALHO , da Reportagem Local


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