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De ônibus, 800 brasileiros seguem para a Turquia
DO ENVIADO A BEIRUTE
DA AGÊNCIA FOLHA
Cerca de 800 brasileiros deixarão hoje o Líbano em 16 ônibus fretados pelo consulado em
Beirute, de onde partirá somente um deles. Os demais sairão da cidade de Majdel Anjar,
no vale do Bekaa, a 4 km da
fronteira com a Síria. Será a segunda operação de retirada de
brasileiros do país em menos
de uma semana, depois da realizada na última segunda-feira.
Além do ponto de partida e
do trajeto, outra diferença entre as duas viagens será o perfil
dos passageiros. De Beirute
partirão basicamente turistas,
a maioria descendente de libaneses em férias no país. Em
Majdel Anjar embarcarão cidadãos brasileiros com dupla nacionalidade, muitos dos quais
sofreram de perto os efeitos
dos bombardeios israelenses
por morarem no sul do país ou
estarem em visita à região.
"São pessoas carentes, muitos ficaram desabrigados por
terem sido forçados a deixar a
região em que moravam, que
estava sob bombardeio", explicou o cônsul-geral do Brasil em
Beirute, Michael Gepp, cuja
mulher estará no ônibus que
sairá hoje de Beirute. Sete brasileiros já morreram nos bombardeios em retaliação ao seqüestro de dois soldados israelenses pelo grupo fundamentalista Hizbollah.
Ontem, ao lamentar as baixas
civis, o brigadeiro-general israelense Shuki Shachar citou
com pesar os brasileiros mortos. "Só posso lamentar a morte
de civis, principalmente de brasileiros, de quem tanto gostamos aqui em Israel", disse o militar à Folha. "Fazemos de tudo
para evitar a morte de civis,
mas em mil ataques aéreos e
3.000 tiros de artilharia acontecem erros." Shachar repetiu a
acusação de que o Hizbollah
"faz uso cínico da população,
escondendo homens e munição em instituições públicas e
mesquitas".
As críticas de alguns brasileiros à lentidão com que o Brasil
vem organizando a retirada de
seus cidadãos foram consideradas injustas pelo cônsul-geral
Michael Gepp. "Não se pode
comparar os nossos recursos
com os dos Estados Unidos,
por exemplo. Apesar disso, estamos trabalhando para ajudar
aos que querem sair, que não
são todos", disse.
Número impreciso
A embaixada tem encontrado dificuldades para calcular
com precisão o número de cidadãos brasileiros no país. Segundo Gepp, em uma pesquisa
feita com agências de viagens,
chegou-se a uma estimativa
que varia entre 400 e 500 turistas brasileiros em Beirute. No
total, entre turistas e residentes, Gepp disse que o número
deve estar em torno de 70 mil,
bem menos que os 200 mil já
citados em alguns cálculos.
Mas Gepp faz uma ressalva:
"É difícil saber com precisão
quantos portadores de passaporte brasileiro há no Líbano,
porque muitos não estão registrados na embaixada. Além disso, há também casos de passaportes falsificados", explica o
diplomata, que conta que tornou-se comum nos últimos
dias pessoas que se declaram
brasileiras ligarem para o consulado em busca de informações sobre a retirada sem falar
uma só palavra de português.
Vivendo o drama da guerra,
porém, em condições diferentes, brasileiros em Beirute e
Majdel Anjar voltarão ao país
por vias distintas. Os primeiros
serão transportados até a cidade de Adana, no sul da Turquia,
para onde pegarão um vôo doméstico até Istambul por conta
própria e tentarão mudar os bilhetes aéreos que já possuem.
Os passageiros dos 15 ônibus
que sairão do vale do Bekaa seguirão para o mesmo destino,
onde serão embarcados pela
FAB em dois aviões.
Segundo Gepp, o Brasil requisitou à Otan (aliança militar
ocidental) o uso da base aérea
de Incirlik, que fica no aeroporto de Adana, mas só a pista do
local foi liberada, para operações de pouso e decolagem.
Via Venezuela
A Embaixada da Venezuela
em Damasco, na Síria, acolheu
ontem uma família brasileira
que tentava deixar o Líbano
"apavorada" com os conflitos
no país. Wasa Yunes e os dois
filhos, de oito e seis anos, estavam havia seis meses no país e
conseguiram um lugar em um
vôo com destino a Caracas graças ao cunhado dela, o médico
brasileiro Hussein Omairi, 42.
Ele está há 13 anos no Líbano
e, por meio de um amigo de infância argentino, que trabalha
na Embaixada da Venezuela,
soube que seria possível retirar
os familiares da região do conflito devido a uma "ordem do
presidente Hugo Chávez".
"Parece até brincadeira, mas
ele me disse que Chávez pediu
para facilitar a volta para tudo
quanto é latino. Foi o único jeito. A Embaixada Brasileira está
pouco se lixando para quem está por aqui."
Nascido em Frederico Westphalen (RS), pai de três filhos
-dois libaneses e uma brasileira- e casado com uma libanesa, Omairi não pensa em deixar
o Líbano por devoção à profissão, mas diz que se desencantou com o governo brasileiro.
"Há anúncios ao cidadão filipino, ao indiano, ao americano,
ao alemão, ao canadense, do tipo: "Comecem a se juntar amanhã a partir de tal hora, que vão
ser deslocados com navio de
guerra, com navio de transporte e o diabo a quatro". E a nossa
embaixada, nada. Nenhum manifesto, nenhum consolo."
Segundo o médico brasileiro,
não é todo mundo que quer ir
embora, especialmente em sua
região, o vale do Bekaa, onde
ainda não há bombardeios.
"Mas, se continuar esse conflito, pouca gente vai desejar ficar. Só na minha cidade, Lala,
há 2.500 habitantes; no mínimo 500 pessoas são brasileiras
ou naturalizadas. Há outras cidades próximas em que metade
da população também é. Como
é que vai colocar apenas cem
lugares para a região toda?",
perguntou Omairi.
(MARCELO NINIO E THIAGO REIS)
Colaboraram MICHEL GAWENDO , de Israel, e
MÁRCIO PINHO DE CARVALHO , da Reportagem Local
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