São Paulo, sexta-feira, 21 de agosto de 2009

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ANÁLISE

Maior problema do pleito ainda está pela frente

DO ENVIADO A CABUL

Se os poucos tiros e o zunido do robô Predator que são ouvidos enquanto este texto é escrito na noite pós-eleitoral em Cabul lembram que a ameaça do Taleban segue cobrindo de dúvidas o Afeganistão, é certo que o problema maior deste pleito ainda terá de ser enfrentado.
Existe um risco não desprezível de o país bater às portas de um conflito político grave.
Se o presidente Hamid Karzai ganhar no primeiro turno de forma que a oposição considere roubada, ou seja, com elevadas votações nas turbulentas Províncias do sul e do leste, certamente haverá uma chamada a protestos.
Só que mesmo tais críticas não seriam unânimes. O principal nome da oposição é o tadjique Abdullah Abdullah, mas ele certamente não atrai muitas paixões no cinturão pashtun que corre da fronteira paquistanesa até o sul afegão. Seu mentor, o já morto Ahmad Shah Massoud, é visto como um assassino de pashtuns.
Karzai, mesmo pashtun, conseguiu formar alianças com tantos antagonistas que é quase inócuo prever quais grupos devem se aliar e contra quem. Os pashtuns mais ligados ao Taleban, por exemplo, nunca perdoarão o general uzbeque Abdul Rashid Dostum pelo massacre dos seus em 2001.
E se Karzai tiver uma vitória em primeiro turno que pareça legítima, muito dela se deverá ao apoio comprado de Dostum e seus 10% de uzbeques no país. O Afeganistão ainda tem muito de estrutura tribal: Dostum comanda seu eleitorado.
Um cenário trágico misturando tudo: Abdullah comanda protestos à moda iraniana contra o pleito que considera ilegítimo, o Exército afegão intervém, e há violência. Nas Províncias do norte, onde coabitam, os uzbeques leais a Dostum enfrentam tadjiques.
O Afeganistão só não cai numa guerra civil como a que sucedeu o fim da ocupação soviética em 1989 porque o Ocidente faz a vez de policial aqui. É por isso que o movimento dos governos americano e europeus para sair do país dão frio na espinha de qualquer observador.
E nem se fala aqui do Taleban, que seguirá sua jornada de terror. Ainda que ontem ele pareça ter sido contido, é de longe a força opositora mais forte do país. Por isso há tanta conversa sobre "reconciliação nacional" entre os candidatos. Sem alguma acomodação, parece impossível deter os insurgentes.
Mas nem tudo é má notícia. Há a possibilidade real de todos, Karzai, Abdullah e alguma fração do Taleban, sentarem à mesa para interromper a espiral. O triste número de 26 mortos é alto, mas inferior ao que previam os pessimistas. As eleições ocorreram, com todas as dificuldades, e nenhum candidato a presidente morreu.
Tudo isso não é pouco para o padrão local, mas é insuficiente para garantir que algo parecido com democracia e estabilidade deite raízes por aqui.
Para tanto, é preciso que os EUA levem a sério sua promessa de priorizar o eixo Afeganistão-Paquistão. Com Islamabad a colher frutos de sua ofensiva contra o Taleban local, cabe a Washington realmente amarrar uma estratégia ampla para toda a região -isso se as bombas em Bagdá não mudarem tudo, mais uma vez. (IG)


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