São Paulo, sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Espancamento de estudante nos EUA reabre debate sobre racismo

Indiciamento de alunos negros por suposta tentativa de assassinato de branco leva manifestantes a cidade sulista; para críticos, acusação é exagerada

DENYSE GODOY
DE NOVA YORK

Um caso de agressão envolvendo adolescentes da cidade de Jena, no sul dos Estados Unidos, devolveu às manchetes norte-americanas a delicada questão das tensões raciais no país. Ontem, milhares de pessoas de diferentes procedências saíram às ruas da cidadezinha da Louisiana para manifestar apoio a seis adolescentes negros que podem ser condenados por suposta tentativa de assassinato de um colega branco devido a uma briga na escola.
A história começou há pouco mais de um ano, no início do período letivo de 2006 da Escola de Ensino Médio de Jena. Em uma reunião com a direção sobre a volta às aulas, um aluno negro perguntou, em tom de brincadeira: "Podemos nos sentar sob aquela árvore no pátio?". A árvore era um ponto de encontro de alunos brancos. "Você sabe que pode se sentar onde quiser", respondeu o vice-diretor, Gawen Burgess.
Na manhã seguinte, duas forcas -uma alusão aos enforcamentos de negros nas primeiras décadas do século 20 por grupos de supremacia branca como a Klu Klux Klan- surgiram penduradas na árvore.
Identificados os três estudantes brancos responsáveis, uma investigação interna da escola recomendou sua expulsão. Mas o comitê de punições optou por uma suspensão, alegando que a atitude não teve cunho racista. O FBI (polícia federal americana) chegou a ser convocado, e a conclusão foi a de que o ocorrido não se enquadrava nas definições de crime de ódio.

Dois pesos, duas medidas
A decisão provocou reações da comunidade negra, e o caso ganhou as manchetes locais. As tensões se acirraram, e brigas entre estudantes em decorrência da polarização tornaram-se freqüentes. O colégio chegou a ser fechado por alguns dias.
A história atingiu seu clímax quando, em 4 de dezembro, um grupo de adolescentes negros espancou Justin Barker, branco, dentro da escola. Bastante machucado, Barker chegou a ser hospitalizado e liberado em um intervalo de horas.
Seus seis supostos agressores -incluindo um menor de idade- foram presos e acusados de tentativa de homicídio. Foi o estopim para uma onda de protestos que culminou na marcha de ontem, da qual participaram de 8.000 a 20 mil pessoas e que atraiu atenção nacional.
Os manifestantes alegam que os rapazes -agora conhecidos como "Os Seis de Jena"- estão sendo tratados com excesso de severidade, pois episódios semelhantes protagonizados por adolescentes brancos teriam tido punições mais brandas.
Primeiro a ser julgado, em junho, Mychael Bell foi considerado culpado, por um júri exclusivamente branco, de agressão com agravantes -crime punível com até 15 anos de prisão. A acusação de tentativa de homicídio, porém, foi retirada.
Na semana passada, uma corte de apelações cancelou a condenação. Bell segue preso, e a Promotoria prepara recurso.
"Com o foco nos réus, algumas pessoas parecem ter esquecido que houve uma vítima", reclamou o promotor público Reed Walters em entrevista à imprensa ontem.
Todo o sistema de Justiça tem sido questionado, sob a suspeita de usar rigor demasiado na avaliação do caso porque os acusados são negros.
Para o sociólogo porto-riquenho Eduardo Bonilla-Silva, da Universidade Duke (Carolina do Norte), o racismo nos EUA continua um "problema enorme", mas aos poucos suas manifestações têm mudado.
"Embora no sul ainda seja berrante, a exemplo do que houve em Jena, em outros lugares do país ele começa a se tornar mais velado", explicou à Folha. O problema, diz, fazendo uma analogia com o Brasil, é que "é fácil protestar em relação a algo tão berrante". "Complicado é lutar contra o que fica nas entrelinhas -aquele condomínio que diz para um negro interessado em morar lá que não há vagas, entretanto oferece de bom grado um apartamento para um branco."


Texto Anterior: Portenhos fazem fila para ver equatoriano
Próximo Texto: Mensagem de Bin Laden pede queda de Musharraf
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.