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Espancamento de estudante nos EUA reabre debate sobre racismo
Indiciamento de alunos negros por suposta tentativa de assassinato de branco leva manifestantes a cidade sulista; para críticos, acusação é exagerada
DENYSE GODOY
DE NOVA YORK
Um caso de agressão envolvendo adolescentes da cidade
de Jena, no sul dos Estados
Unidos, devolveu às manchetes
norte-americanas a delicada
questão das tensões raciais no
país. Ontem, milhares de pessoas de diferentes procedências saíram às ruas da cidadezinha da Louisiana para manifestar apoio a seis adolescentes
negros que podem ser condenados por suposta tentativa de
assassinato de um colega branco devido a uma briga na escola.
A história começou há pouco
mais de um ano, no início do
período letivo de 2006 da Escola de Ensino Médio de Jena.
Em uma reunião com a direção
sobre a volta às aulas, um aluno
negro perguntou, em tom de
brincadeira: "Podemos nos
sentar sob aquela árvore no pátio?". A árvore era um ponto de
encontro de alunos brancos.
"Você sabe que pode se sentar
onde quiser", respondeu o vice-diretor, Gawen Burgess.
Na manhã seguinte, duas forcas -uma alusão aos enforcamentos de negros nas primeiras décadas do século 20 por grupos de supremacia branca
como a Klu Klux Klan- surgiram penduradas na árvore.
Identificados os três estudantes brancos responsáveis,
uma investigação interna da escola recomendou sua expulsão.
Mas o comitê de punições optou por uma suspensão, alegando que a atitude não teve cunho
racista. O FBI (polícia federal
americana) chegou a ser convocado, e a conclusão foi a de que
o ocorrido não se enquadrava
nas definições de crime de ódio.
Dois pesos, duas medidas
A decisão provocou reações
da comunidade negra, e o caso
ganhou as manchetes locais. As
tensões se acirraram, e brigas
entre estudantes em decorrência da polarização tornaram-se
freqüentes. O colégio chegou a
ser fechado por alguns dias.
A história atingiu seu clímax
quando, em 4 de dezembro, um
grupo de adolescentes negros
espancou Justin Barker, branco, dentro da escola. Bastante
machucado, Barker chegou a
ser hospitalizado e liberado em
um intervalo de horas.
Seus seis supostos agressores
-incluindo um menor de idade- foram presos e acusados
de tentativa de homicídio. Foi o
estopim para uma onda de protestos que culminou na marcha
de ontem, da qual participaram
de 8.000 a 20 mil pessoas e que
atraiu atenção nacional.
Os manifestantes alegam que
os rapazes -agora conhecidos
como "Os Seis de Jena"- estão
sendo tratados com excesso de
severidade, pois episódios semelhantes protagonizados por
adolescentes brancos teriam tido punições mais brandas.
Primeiro a ser julgado, em junho, Mychael Bell foi considerado culpado, por um júri exclusivamente branco, de agressão com agravantes -crime punível com até 15 anos de prisão.
A acusação de tentativa de homicídio, porém, foi retirada.
Na semana passada, uma
corte de apelações cancelou a
condenação. Bell segue preso, e
a Promotoria prepara recurso.
"Com o foco nos réus, algumas pessoas parecem ter esquecido que houve uma vítima", reclamou o promotor público Reed Walters em entrevista à imprensa ontem.
Todo o sistema de Justiça
tem sido questionado, sob a
suspeita de usar rigor demasiado na avaliação do caso porque
os acusados são negros.
Para o sociólogo porto-riquenho Eduardo Bonilla-Silva, da
Universidade Duke (Carolina
do Norte), o racismo nos EUA
continua um "problema enorme", mas aos poucos suas manifestações têm mudado.
"Embora no sul ainda seja
berrante, a exemplo do que
houve em Jena, em outros lugares do país ele começa a se
tornar mais velado", explicou à
Folha. O problema, diz, fazendo uma analogia com o Brasil, é
que "é fácil protestar em relação a algo tão berrante". "Complicado é lutar contra o que fica
nas entrelinhas -aquele condomínio que diz para um negro
interessado em morar lá que
não há vagas, entretanto oferece de bom grado um apartamento para um branco."
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