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SUCESSÃO NOS EUA / ARTIGO
Divididos como sempre, à espera do melhor desenlace
Apesar de suas idas e vindas, o eleitorado nos EUA está tão equanimemente rachado neste ano quanto esteve nas duas eleições presidenciais anteriores
DAVID RIEFF
A campanha presidencial
americana finalmente entrou
em sua fase decisiva, mas, apesar de todas as reviravoltas
-sobretudo a decisão de John
McCain de escolher como vice
a até então desconhecida Sarah
Palin-, o que está claro é que os
Estados Unidos continuam tão
ideologicamente divididos no
ciclo da campanha presidencial
atual quanto em 2000 ou 2004.
É possível, claro, que um
acontecimento político, militar
ou econômico exógeno -a prisão de Osama bin Laden ou a
eventualidade de a crise do sistema de crédito fugir de controle, para citar exemplos extremos mas não implausíveis-
leve o eleitorado a pender para
McCain ou Barack Obama.
Mas o resultado mais provável ainda é que a eleição seja definida por um punhado de Estados conhecidos como campo de
batalha onde um grupo de eleitores independentes "pendulares" ainda não se decidiu.
Isso não era, evidentemente,
o que Obama e seus assessores
esperavam.
Pelo contrário, eles
parecem ter cometido o mesmo engano ao contemplar
McCain como adversário na
eleição geral que aquele cometido por Hillary Clinton quando enfrentou Obama nas primárias democratas: o de considerar a vitória como algo certo.
Some-se a isso o fato de a soberba ser o calcanhar de Aquiles de candidaturas messiânicas como a de Obama, e fica fácil entender por que a campanha tropeça desde agosto.
Inversão
Isso não significa que seja
provável que os democratas
percam em novembro.
Obama escolheu o senador
Joe Biden como vice, em grande medida, parece, como profilaxia política contra os questionamentos cada vez mais eficazes de McCain sobre sua inexperiência em política externa.
Mas a escolha de Palin por
McCain foi um esforço desesperado de um candidato odiado
pela base conservadora de seu
próprio partido.
O fato de, ao
menos no curto prazo, ter dado
mais certo do que a campanha
de McCain previra não muda o
fato de, em uma economia em
maus lençóis e com as más notícias vindas do Afeganistão começando a eclipsar as boas notícias do Iraque (McCain esperava usar essa melhora), as probabilidades permanecerem firmemente em favor de Obama.
Prova disso é a impressão
que se tem freqüentemente nos
comícios de que McCain seja o
coadjuvante, e Palin, a estrela.
De qualquer maneira, é virtualmente inusitado na política
americana que candidatos presidenciais e vice-presidenciais
façam campanha juntos. É verdade que a decisão reflete o entusiasmo que a base do Partido
Republicano sente por Palin.
Mas reflete, em medida pelo
menos igual, a debilidade e vulnerabilidade de McCain.
E, quando o "efeito Palin" começar a diminuir, como inevitavelmente acontecerá -também ela é uma candidata messiânica e assim tem as mesmas
vulnerabilidades que Obama,
além de algumas limitações significativas de que ele não sofre-, parece provável que o democrata se recupere bem.
É possível, é claro, que o racismo inconfesso entre o eleitorado americano dê vitória
inesperada a McCain e Palin.
Mas, embora seja fato conhecido que os entrevistados em
pesquisas de opinião relutam
em admitir sentimentos racistas, as pesquisas indicam uma
ansiedade muito maior com relação à idade de McCain, além
de grande preocupação entre
os independentes quanto a
competência de Palin, que só
obteve um passaporte no ano
passado, para ser presidente
em tempos de guerra.
Similitudes
A ironia presente em tudo isso é que, apesar de suas diferenças profundas em relação ao
Iraque e de seus estilos de apresentação muito dessemelhantes, não há tanto assim que distinga as posições de Obama em
política externa das de McCain.
Ambos vêem a Rússia ressurgente como ameaça e pedem a
rápida entrada da Geórgia e da
Ucrânia na Otan. Ambos insistem que não se deve em hipótese alguma permitir que o Irã leve adiante seu programa nuclear e ambos apóiam Israel a
tal ponto que virtualmente
equivale a entregar ao Estado
judaico um cheque em branco
E ambos estão comprometidos com políticas ambientais e
energéticas que, embora sejam
esclarecidas pelos padrões do
governo atual, não ameaçam
nenhum interesse investidor.
Aliás, o apoio irrestrito de
Obama ao álcool, embora não
surpreenda dado o fato de ele
ser de um Estado produtor de
milho, o situa à direita de
McCain na questão, assim como seu plano para a saúde foi
consideravelmente menos de
esquerda do que o de Hillary.
Isso não significa que não haja diferenças entre os dois. Pelo
contrário: em questões de política interna, a divisão em muitos casos é profunda e ampla.
Uma das razões pelas quais
tantos conservadores sociais se
animaram com Palin foi que
sua presença parecia lhes garantir -com ou sem razão, pois
os republicanos têm um longo
histórico de promessas não
cumpridas aos conservadores
sociais- que um possível governo McCain indicaria conservadores para as próximas
vagas na Suprema Corte.
E há poucas dúvidas de que
em questões que vão da política
fiscal à desregulamentação financeira, passando pela educação, Obama romperá com o estilo laissez-faire que Bush mantém com tanto afinco, e com o
qual McCain, a julgar por seus
discursos, discorda em poucos
pontos, exceto ambiente.
Mas a responsabilidade é do
comprador. Os democratas
têm um histórico igualmente
grande de trair a base de esquerda de seu próprio partido
(de esquerda no sentido em que
o termo é entendido nos EUA,
já que pelos padrões europeus a
esquerda americana é de social-democratas centristas).
Desde a década de 60 houve
apenas dois presidentes democratas, Jimmy Carter e Bill
Clinton, e ambos governaram
sobretudo a partir do centro. É
sintoma da ira e do desespero
que os democratas sentem ante
a Presidência catastrófica e
inepta de Bush o fato de terem
conseguido ignorar o fato de
Obama pertencer a essa linha.
Isso sem dúvida se deve em
parte ao clichê liberal segundo
o qual, não obstante Colin Powell e Condoleezza Rice, todos
os afroamericanos dignos desse
nome são liberais de esquerda.
E, em parte, é conseqüência do
fato de que candidaturas carismáticas como a de Obama sempre parecem a mancha de
Rohrshcach -as pessoas tendem a ver nelas o que querem.
Acordo tácito
Seria ingenuidade culpar um
político profissional como Obama por não capitalizar em cima
desse dom de poder representar praticamente todas as coisas para todas as pessoas.
Não obstante, o lado liberal
da aparentemente intencional
suspensão coletiva de descrença do eleitor é um dos aspectos
que mais chamam a atenção
nesta campanha. Uma parte
tão grande dos partidários de
Obama fala não de suas políticas, mas de sua capacidade de
"promover transformações".
Mas não há consenso nem
clareza quanto a quais serão essas transformações. Trata-se
de uma recapitulação moderna
do conceito do "toque real" curador. Mas isso também significa que muito poucos de seus
partidários fazem uma idéia
clara de como será uma possível Presidência Obama, e, já
que ele também é novato em
política eleitoral, há pouco em
seu histórico que sirva de guia.
Vista com frieza, é difícil não
achar que a conversão da política presidencial americana em
um "concurso de beleza" deu
outro passo gigantesco à frente
no ciclo eleitoral de 2008.
McCain, o "herói de guerra",
Palin, a heroína das pequenas
cidades conservadoras, e Obama, o paladino da América multicultural (Biden mal chega a
ter sua presença registrada)
-cada um deles entre aspas.
Não estivesse o mundo numa
situação tão grave e difícil, e
não dependesse seu destino a
tal ponto das decisões tomadas
pela pessoa entre essas que vier
a ocupar a Casa Branca, poderíamos nos divertir com a farsa.
Mas, diante do estado atual do
mundo, só podemos torcer para que as coisas não dêem muito errado -sem, infelizmente,
termos muita base para acreditar nessa possibilidade.
DAVID RIEFF é pesquisador sênior no World Policy Institute, membro do Council on Foreign Relations e autor, entre outros, de "Going to Miami". Este artigo foi distribuído pela Wylie
Agency e será publicado na "Letras Libres"
Tradução de CLARA ALLAIN
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