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"Pragmatismo dita política externa obamista"
Ao avaliar trava de plano antimísseis, analista diz que agenda doméstica impõe estratégia internacional "de baixa manutenção"
Projeto de Bush provocava a
Rússia de maneira inútil, diz Ian Lesser, para quem plano substituto acerta ao buscar dar mais relevo para a Otan
LUCIANA COELHO
DE GENEBRA
O engavetamento do plano
de George W. Bush para fincar
um sistema antimísseis no Leste Europeu, anunciado na semana passada por Barack Obama, mostra que o novo governo
dos EUA está mais interessado
em buscar uma estratégia de
defesa pragmática e de menor
custo político, diz Ian Lesser.
Para o analista sênior do centro de estudos transatlânticos
German Marshall Fund, especialista em relações EUA-Europa e política de defesa, a pesada
agenda doméstica do governo
Obama o obriga a adotar uma
política externa de "baixa manutenção" -menos fricção e
foco nos temas essenciais. De
Washington, ele conversou
com a Folha por telefone.
FOLHA - A decisão de sustar o escudo antimíssil o surpreendeu?
IAN LESSER - Nem tanto, já havia
uma expectativa de que em algum momento o governo Obama ia querer mudar o rumo da
defesa. Mesmo que, como
Bush, ele também esteja comprometido com a defesa com
mísseis antibalísticos da Europa, estava claro que eles tinham preferências diferentes.
FOLHA - Quando cita perspectivas
diferentes o sr. fala sobre política,
estratégia ou ambas?
LESSER - Este governo já mostrou que está focado muito
mais em aspectos estratégicos
operacionais do que em querer
se provar politicamente. No governo anterior, havia no plano
um elemento de querer se reafirmar politicamente, com aliados da "nova Europa". E, em alguma medida, tinha a questão
da relação com a Rússia.
FOLHA - Obama então só estaria
sendo mais pragmático?
LESSER - Bem mais. Acho que
eles querem olhar para o plano
do zero e dizer: "Ok, há um problema de exposição a mísseis
balísticos de alcance cada vez
maior. O que vamos fazer a respeito? O que vai ser mais efetivo?". O outro ponto é que eles
não estão comprometidos com
a mesma interpretação política
do problema, eles não precisam nem querem que ele seja
um instrumento de reafirmação no Leste Europeu nem de
fricção política com a Rússia.
Só querem uma defesa eficaz.
FOLHA - O plano de Bush parecia
que nunca sairia do papel.
LESSER - É verdade, mas é porque ele visava defender os
EUA. Claro que o novo leva isso
em conta, mas ele visa mais os
aliados americanos e as forças
do país na Europa e perto dela,
como na Turquia, na Grécia.
Do ponto de vista da Otan também é mais prático.
FOLHA - Que papel caberá à Otan?
LESSER - A maioria dos países
da Otan deve dar as boas-vindas, porque está muito mais
em linha com as preocupações
da aliança, e não só dos EUA.
FOLHA - Muitos analistas acham
que foi antes de tudo um gesto de
aproximação com a Rússia.
LESSER - Acho que o governo
está interessado em uma relação melhor com a Rússia. Mas
não concordo com os que
acham que tenha sido uma
amolecida com a Rússia. Avalio
que o plano de Bush era desnecessariamente provocador em
relação à Rússia.
FOLHA - O plano anterior deixava a
Otan desconfortável?
LESSER - Sim. Não que houvesse medo, mas desconforto,
principalmente porque o público europeu nunca apoiou a
ideia, mesmo os tchecos e poloneses. E principalmente tinha
a objeção ao fato de o sistema
proposto por Bush tratar muito mais da defesa dos EUA do
que de cidades na Europa.
FOLHA - Essa decisão pode chancelar a relevância da Otan?
LESSER - Há o debate sobre o
propósito da Otan. E isso continuará sendo discutido. Mas é
claro que essa proposta nova
torna mais fácil para a Otan estar envolvida, pois ela passa a
ser diretamente relevante.
FOLHA - O fato de Obama ser de
uma geração menos impregnada
pela mentalidade da Guerra Fria do
que a de Bush influenciou?
LESSER - Isso é interessante.
Talvez nem seja tanto uma
questão geracional, mas mais o
fato de que quanto mais nos
afastamos da experiência da
Guerra Fria e da Segunda
Guerra, mais fraca fica essa
imagem do peso europeu na
política externa americana. É
claro que a Europa é importantíssima para os EUA, e sempre
será por uma série de questões
políticas, econômicas e culturais. Mas tem havido uma progressão contínua em direção a
outros temas. Também há uma
discussão sobre o que significa
segurança na Europa, e isso
não é só cuidar do núcleo central europeu, naqueles termos
da Guerra Fria. Há mais interesse no que acontece na periferia europeia, nos pontos em
que ela encontra o Oriente Médio e a Ásia Central.
FOLHA - Como avalia o plano de
defesa de Obama como um todo?
LESSER - Primeiro você tem de
ver que este é um governo que
enfrenta problemas domésticos muito grandes: a crise econômica, a reforma do sistema
de saúde e outras coisas. A
atenção não pode ser demovida
para a política externa. Algumas coisas são inevitáveis
-Otan, Rússia, China, Irã, processo de paz no Oriente Médio,
Afeganistão são questões sobre
as quais este governo precisa
ter uma política. Mas em outros aspectos eles vão buscar
relações políticas mais estáveis
tanto com aliados quanto com
países com os quais há fricção,
como a Rússia e a China. Acho
que eles estão tentando não
soar como provocadores. Eles
estão querendo uma política
externa de baixo custo de manutenção. Mas não se trata de
isolacionismo, eles só querem
relações mais estáveis.
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