São Paulo, segunda-feira, 21 de setembro de 2009

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"Pragmatismo dita política externa obamista"

Ao avaliar trava de plano antimísseis, analista diz que agenda doméstica impõe estratégia internacional "de baixa manutenção"

Projeto de Bush provocava a Rússia de maneira inútil, diz Ian Lesser, para quem plano substituto acerta ao buscar dar mais relevo para a Otan

LUCIANA COELHO
DE GENEBRA

O engavetamento do plano de George W. Bush para fincar um sistema antimísseis no Leste Europeu, anunciado na semana passada por Barack Obama, mostra que o novo governo dos EUA está mais interessado em buscar uma estratégia de defesa pragmática e de menor custo político, diz Ian Lesser. Para o analista sênior do centro de estudos transatlânticos German Marshall Fund, especialista em relações EUA-Europa e política de defesa, a pesada agenda doméstica do governo Obama o obriga a adotar uma política externa de "baixa manutenção" -menos fricção e foco nos temas essenciais. De Washington, ele conversou com a Folha por telefone.

 

FOLHA - A decisão de sustar o escudo antimíssil o surpreendeu?
IAN LESSER - Nem tanto, já havia uma expectativa de que em algum momento o governo Obama ia querer mudar o rumo da defesa. Mesmo que, como Bush, ele também esteja comprometido com a defesa com mísseis antibalísticos da Europa, estava claro que eles tinham preferências diferentes.

FOLHA - Quando cita perspectivas diferentes o sr. fala sobre política, estratégia ou ambas?
LESSER - Este governo já mostrou que está focado muito mais em aspectos estratégicos operacionais do que em querer se provar politicamente. No governo anterior, havia no plano um elemento de querer se reafirmar politicamente, com aliados da "nova Europa". E, em alguma medida, tinha a questão da relação com a Rússia.

FOLHA - Obama então só estaria sendo mais pragmático?
LESSER - Bem mais. Acho que eles querem olhar para o plano do zero e dizer: "Ok, há um problema de exposição a mísseis balísticos de alcance cada vez maior. O que vamos fazer a respeito? O que vai ser mais efetivo?". O outro ponto é que eles não estão comprometidos com a mesma interpretação política do problema, eles não precisam nem querem que ele seja um instrumento de reafirmação no Leste Europeu nem de fricção política com a Rússia. Só querem uma defesa eficaz.

FOLHA - O plano de Bush parecia que nunca sairia do papel.
LESSER - É verdade, mas é porque ele visava defender os EUA. Claro que o novo leva isso em conta, mas ele visa mais os aliados americanos e as forças do país na Europa e perto dela, como na Turquia, na Grécia. Do ponto de vista da Otan também é mais prático.

FOLHA - Que papel caberá à Otan?
LESSER - A maioria dos países da Otan deve dar as boas-vindas, porque está muito mais em linha com as preocupações da aliança, e não só dos EUA.

FOLHA - Muitos analistas acham que foi antes de tudo um gesto de aproximação com a Rússia.
LESSER - Acho que o governo está interessado em uma relação melhor com a Rússia. Mas não concordo com os que acham que tenha sido uma amolecida com a Rússia. Avalio que o plano de Bush era desnecessariamente provocador em relação à Rússia.

FOLHA - O plano anterior deixava a Otan desconfortável?
LESSER - Sim. Não que houvesse medo, mas desconforto, principalmente porque o público europeu nunca apoiou a ideia, mesmo os tchecos e poloneses. E principalmente tinha a objeção ao fato de o sistema proposto por Bush tratar muito mais da defesa dos EUA do que de cidades na Europa.

FOLHA - Essa decisão pode chancelar a relevância da Otan?
LESSER - Há o debate sobre o propósito da Otan. E isso continuará sendo discutido. Mas é claro que essa proposta nova torna mais fácil para a Otan estar envolvida, pois ela passa a ser diretamente relevante.

FOLHA - O fato de Obama ser de uma geração menos impregnada pela mentalidade da Guerra Fria do que a de Bush influenciou?
LESSER - Isso é interessante. Talvez nem seja tanto uma questão geracional, mas mais o fato de que quanto mais nos afastamos da experiência da Guerra Fria e da Segunda Guerra, mais fraca fica essa imagem do peso europeu na política externa americana. É claro que a Europa é importantíssima para os EUA, e sempre será por uma série de questões políticas, econômicas e culturais. Mas tem havido uma progressão contínua em direção a outros temas. Também há uma discussão sobre o que significa segurança na Europa, e isso não é só cuidar do núcleo central europeu, naqueles termos da Guerra Fria. Há mais interesse no que acontece na periferia europeia, nos pontos em que ela encontra o Oriente Médio e a Ásia Central.

FOLHA - Como avalia o plano de defesa de Obama como um todo?
LESSER - Primeiro você tem de ver que este é um governo que enfrenta problemas domésticos muito grandes: a crise econômica, a reforma do sistema de saúde e outras coisas. A atenção não pode ser demovida para a política externa. Algumas coisas são inevitáveis -Otan, Rússia, China, Irã, processo de paz no Oriente Médio, Afeganistão são questões sobre as quais este governo precisa ter uma política. Mas em outros aspectos eles vão buscar relações políticas mais estáveis tanto com aliados quanto com países com os quais há fricção, como a Rússia e a China. Acho que eles estão tentando não soar como provocadores. Eles estão querendo uma política externa de baixo custo de manutenção. Mas não se trata de isolacionismo, eles só querem relações mais estáveis.


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