São Paulo, domingo, 21 de outubro de 2007

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Para Paglia, feminismo erra ao excluir dona-de-casa

Movimento perdeu a sintonia com o desejo da maioria das mulheres, afirma escritora

Polemista, autora diz que valorização da carreira em detrimento da maternidade marginaliza e, mesmo atéia, defende ensino da religião

UIRÁ MACHADO
COORDENADOR DE ARTIGOS E EVENTOS

Para a escritora norte-americana Camille Paglia, 60, considerada umas das principais teóricas do "pós-feminismo", o movimento feminista do Ocidente está defasado em relação ao desejo da maior parte das mulheres do mundo.
"O movimento feminista tende a denegrir ou marginalizar a mulher que quer ficar em casa, amar seu marido e ter filhos, que valoriza dar à luz e criar um filho como missão central na vida", diz Paglia. "Está mais do que na hora de o feminismo conseguir lidar com a centralidade da maternidade."
Feminista odiada pelas feministas, apareceu há dois anos em 20º lugar na lista dos intelectuais mais influentes vivos feita pela revista inglesa "Prospect". Professora da University of the Arts, na Filadélfia, Paglia se tornou internacionalmente conhecida em 1990, com o livro "Personas Sexuais".
No próximo dia 8, ela estará em Porto Alegre, no curso de altos estudos Fronteiras do Pensamento, do Copesul Cultural. Leia a seguir os principais trechos da entrevista que ela concedeu à Folha por telefone.



FOLHA - Por que escolher um trecho de um poema de John Donne, poeta renascentista, para o título de seu último livro, "Break, Blow, Burn" (quebrar, explodir, queimar)? Vivemos um novo Renascimento?
CAMILLE PAGLIA
- As pessoas acham que inventei o título. A grande surpresa é que algo escrito séculos atrás possa parecer tão contemporâneo. O que eu quero mostrar é como grandes poemas ou grandes trabalhos de arte nunca ficam ultrapassados. Acredito -e é uma forma muito antiquada de pensar hoje em dia nas universidades- que a arte é transcendente. Que a arte tem uma dimensão espiritual que fica acima do cotidiano, acima das mudanças históricas. E sou atéia.

FOLHA - Em um recente artigo, a sra. defendeu o ensino religioso.
PAGLIA
- Minha opinião é que a religião não deveria ter influência na política, mas ela é absolutamente central para a cultura e a experiência humana. Ainda que eu não acredite em Deus, considero as grandes religiões do mundo sistemas que de fato ajudam a entender os mistérios do universo e da vida humana. Quando intelectuais tomam a posição de que as pessoas inteligentes não crêem em Deus e que apenas os fracos ou os tolos acreditam no que diz a religião, é um desastre para os mais jovens. Não dá para entender o mundo e sua história sem conhecer as grandes religiões.

FOLHA - A religião é um dos aspectos do "choque de culturas" a que assistimos. Num conflito como esse, o que deve prevalecer: a defesa dos direitos das mulheres ou a autonomia das diferentes culturas?
PAGLIA
- O feminismo, ao menos o americano, ficou paralisado por essa questão. Como criticar o tratamento dado às mulheres em certos países sem automaticamente criticar aquela cultura particular? Ao defender os direitos das mulheres, fica implícita uma idéia de "superioridade americana" em relação à cultura muçulmana.
A mídia de massa importa cultura, valores. Essas influências da mídia são consideradas por muçulmanos conservadores uma corrupção de seus valores. A cultura popular, os filmes, a música etc. são invasivos. No fim das contas, têm um papel revolucionário. Com o passar do tempo, onde a cultura popular ocidental vai há uma revolução cultural que se segue.
Alguém poderia pensar que então as mulheres seriam capazes de afirmar seus direitos. Como estudiosa de culturas antigas, digo que o Império Romano precisa ficar na nossa mente. A elite sofisticada da Roma Antiga pensava que seus valores durariam para sempre. Mas todas aquelas conquistas se perderam, assim como as nossas, por algum desastre natural, podem ser perdidas. Mas não uma mudança gradual.

FOLHA - A sra. já disse que à evolução do capitalismo se deve a mulher emancipada. Não é natural esperar que países ditos subdesenvolvidos tenham mulheres emancipadas ao atingirem o desenvolvimento?
PAGLIA
- Eu tenho dito que, por causa do capitalismo, aparece a mulher moderna emancipada. É por causa da Revolução Industrial e do trabalho fora de casa que as mulheres puderam ser livres do controle do marido, do pai, do irmão.
Mas temos que ser realistas e reconhecer que isso é um produto da cultura capitalista ocidental, de um momento particular. Feministas têm freqüentemente valorizado ou venerado a "mulher de carreira" e a posto num lugar mais alto que a mãe e a esposa. Isso, porém, vai contra a maneira como a maior parte das mulheres no mundo se sente verdadeiramente.
O movimento feminista tende a denegrir ou marginalizar a mulher que quer ficar em casa, amar seu marido e ter filhos, que valoriza dar à luz e criar um filho como missão central na vida. Está mais do que na hora de o feminismo ocidental conseguir lidar com a centralidade da maternidade para a maioria das mulheres no mundo.
Não quero as feministas ocidentais destruindo valores e tradições de culturas locais. Feminismo deveria ser sobre mulheres terem a oportunidade de avançar, não serem abusadas e terem o direito de auto-subsistência econômica para não depender de um parente homem.

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