|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Para Paglia, feminismo erra ao excluir dona-de-casa
Movimento perdeu a sintonia com o desejo da maioria das mulheres, afirma escritora
Polemista, autora diz que valorização da carreira em detrimento da maternidade marginaliza e, mesmo atéia, defende ensino da religião
UIRÁ MACHADO
COORDENADOR DE ARTIGOS E EVENTOS
Para a escritora norte-americana Camille Paglia, 60, considerada umas das principais
teóricas do "pós-feminismo", o
movimento feminista do Ocidente está defasado em relação
ao desejo da maior parte das
mulheres do mundo.
"O movimento feminista
tende a denegrir ou marginalizar a mulher que quer ficar em
casa, amar seu marido e ter filhos, que valoriza dar à luz e
criar um filho como missão
central na vida", diz Paglia. "Está mais do que na hora de o feminismo conseguir lidar com a
centralidade da maternidade."
Feminista odiada pelas feministas, apareceu há dois anos
em 20º lugar na lista dos intelectuais mais influentes vivos
feita pela revista inglesa "Prospect". Professora da University
of the Arts, na Filadélfia, Paglia
se tornou internacionalmente
conhecida em 1990, com o livro
"Personas Sexuais".
No próximo dia 8, ela estará
em Porto Alegre, no curso de altos estudos Fronteiras do Pensamento, do Copesul Cultural.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista que ela concedeu à Folha por telefone.
FOLHA - Por que escolher um trecho de um poema de John Donne,
poeta renascentista, para o título de
seu último livro, "Break, Blow,
Burn" (quebrar, explodir, queimar)? Vivemos um novo Renascimento?
CAMILLE PAGLIA - As pessoas
acham que inventei o título. A
grande surpresa é que algo escrito séculos atrás possa parecer tão contemporâneo. O que
eu quero mostrar é como grandes poemas ou grandes trabalhos de arte nunca ficam ultrapassados. Acredito -e é uma
forma muito antiquada de pensar hoje em dia nas universidades- que a arte é transcendente. Que a arte tem uma dimensão espiritual que fica acima do
cotidiano, acima das mudanças
históricas. E sou atéia.
FOLHA - Em um recente artigo, a
sra. defendeu o ensino religioso.
PAGLIA - Minha opinião é que a
religião não deveria ter influência na política, mas ela é absolutamente central para a cultura
e a experiência humana. Ainda
que eu não acredite em Deus,
considero as grandes religiões
do mundo sistemas que de fato
ajudam a entender os mistérios
do universo e da vida humana.
Quando intelectuais tomam a
posição de que as pessoas inteligentes não crêem em Deus e
que apenas os fracos ou os tolos
acreditam no que diz a religião,
é um desastre para os mais jovens. Não dá para entender o
mundo e sua história sem conhecer as grandes religiões.
FOLHA - A religião é um dos aspectos do "choque de culturas" a que
assistimos. Num conflito como esse,
o que deve prevalecer: a defesa dos
direitos das mulheres ou a autonomia das diferentes culturas?
PAGLIA - O feminismo, ao menos o americano, ficou paralisado por essa questão. Como
criticar o tratamento dado às
mulheres em certos países sem
automaticamente criticar
aquela cultura particular? Ao
defender os direitos das mulheres, fica implícita uma idéia de
"superioridade americana" em
relação à cultura muçulmana.
A mídia de massa importa
cultura, valores. Essas influências da mídia são consideradas
por muçulmanos conservadores uma corrupção de seus valores. A cultura popular, os filmes, a música etc. são invasivos. No fim das contas, têm um
papel revolucionário. Com o
passar do tempo, onde a cultura
popular ocidental vai há uma
revolução cultural que se segue.
Alguém poderia pensar que
então as mulheres seriam capazes de afirmar seus direitos.
Como estudiosa de culturas antigas, digo que o Império Romano precisa ficar na nossa
mente. A elite sofisticada da
Roma Antiga pensava que seus
valores durariam para sempre.
Mas todas aquelas conquistas
se perderam, assim como as
nossas, por algum desastre natural, podem ser perdidas. Mas
não uma mudança gradual.
FOLHA - A sra. já disse que à evolução do capitalismo se deve a mulher
emancipada. Não é natural esperar
que países ditos subdesenvolvidos
tenham mulheres emancipadas ao
atingirem o desenvolvimento?
PAGLIA - Eu tenho dito que, por
causa do capitalismo, aparece a
mulher moderna emancipada.
É por causa da Revolução Industrial e do trabalho fora de
casa que as mulheres puderam
ser livres do controle do marido, do pai, do irmão.
Mas temos que ser realistas e
reconhecer que isso é um produto da cultura capitalista ocidental, de um momento particular. Feministas têm freqüentemente valorizado ou venerado a "mulher de carreira" e a
posto num lugar mais alto que a
mãe e a esposa. Isso, porém, vai
contra a maneira como a maior
parte das mulheres no mundo
se sente verdadeiramente.
O movimento feminista tende a denegrir ou marginalizar a
mulher que quer ficar em casa,
amar seu marido e ter filhos,
que valoriza dar à luz e criar um
filho como missão central na
vida. Está mais do que na hora
de o feminismo ocidental conseguir lidar com a centralidade
da maternidade para a maioria
das mulheres no mundo.
Não quero as feministas ocidentais destruindo valores e
tradições de culturas locais. Feminismo deveria ser sobre mulheres terem a oportunidade de
avançar, não serem abusadas e
terem o direito de auto-subsistência econômica para não depender de um parente homem.
Texto Anterior: China anuncia amanhã seus novos líderes Próximo Texto: Frase Índice
|