São Paulo, sexta-feira, 21 de outubro de 2011

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Falta de unidade é maior ameaça à Europa

Para professor de Cambridge, bloco precisa aprofundar integração para conseguir sair da crise da dívida pública

Economista defende que governos europeus aumentem os gastos para suprir o recuo da demanda privada

GABRIELA MANZINI
EM LONDRES

É falta de unidade política, e não endividamento, a principal ameaça para o crescimento da zona do euro.
É o que pensa o economista sul-coreano Ha-Joon Chang, professor de Cambridge que ganhou fama no mundo todo, inclusive no Brasil, por ser o autor de "Chutando a Escada", livro em que acusa os países desenvolvidos de terem sabotado o crescimento dos demais negando-lhes estratégias das quais eles mesmos utilizaram.
Ele defende que a criação da moeda europeia foi precipitada e ignorou, por exemplo, a necessidade de criar mecanismos formais para a quebra de países.
O remédio, diz, não são as medidas recessivas que vêm sendo adotadas, mas o aprofundamento da integração.
Leia abaixo a entrevista concedida por Ha-Joon, por telefone, de Cambridge.

 

Folha - Qual é a extensão da crise na Europa? A zona do euro está em risco?
Ha-Joon Chang - Quando falamos de um país, a estrutura federal mantém a unidade porque há a possibilidade de transferir recursos e mão de obra. Mas a União Europeia possui uma pequena margem de manobra, o que a deixa em apuros.
Se a Grécia fosse um Estado brasileiro, como Mato Grosso, e algo saísse muito mal lá, São Paulo ajudaria. Mas quantos gregos podem arranjar um emprego na Alemanha?
Quando há esse tipo de situação, fica exposta a falta de unidade política dentro do projeto europeu de unidade monetária. E a tendência é a de que essa crise de identidade se arraste, porque alemães e holandeses, por exemplo, que poderiam salvar Grécia, Espanha e Portugal, não querem fazê-lo.
Mas é preciso deixar claro que a zona do euro, como um todo, não está em crise financeira grave. Seu deficit total é de 6% do PIB, menos do que o dos EUA e o do Reino Unido, que têm 10%, 11%.

Há legitimidade na hesitação?
Quando criaram a unidade monetária, eles [europeus] não imaginaram viver isso. E um sistema projetado com base na previsão de que não haveria crise, quando confrontado com uma, entra em impasse.
Muita gente vê, sim, legitimidade quando os alemães dizem: 'Por que nós deveríamos pagar?'. Ao que os gregos respondem: 'Somos uma economia única, vocês têm de pagar'. Não existe certo ou errado porque eles nunca tinham discutido isso.

Essa crise pode levar à saída de algum país do bloco?
Minha visão é a de que Grécia, Portugal e a Espanha estariam melhores se nunca tivessem entrado na zona do euro. Mas, uma vez dentro, é melhor que fiquem.
Os líderes europeus têm de aceitar que, uma vez que acordaram com a união monetária, precisam preservá-la, e que o único meio de fazê-lo, no momento, é aprofundando a integração.
Precisam aceitar o projeto político, a criação de mecanismos como o eurobônus -um título apoiado por todos os membros do bloco- e o fortalecimento do Banco Central Europeu.

A presidente Dilma Rousseff disse que a crise da dívida latino-americana "demonstra que ajustes fiscais extremamente recessivos só aprofundam o processo de estagnação e de desemprego". O sr. concorda? Sim. Quando se tenta resolver esse tipo de problema com medidas recessivas, com frequência, só se consegue agravá-lo, porque a receita não para de cair.
No momento, a principal causa da crise é a falta de demanda por parte do setor privado, muito endividado.
Como há grande incerteza, ninguém está investindo, e as pessoas estão com medo de gastar e perder seus empregos. Em uma situação dessa, a única entidade que poderia gastar é o governo, mas ele está cortando investimento.



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