São Paulo, sábado, 21 de dezembro de 2002

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VENEZUELA

Chávez consegue evitar que megamarcha chegue ao palácio; motorista só pode comprar 30 litros de combustível

Oposição toma Caracas; gasolina é racionada

Estaben Felix/Associated Press
Manifestantes da oposição fazem protesto pelas avenidas de Caracas, no qual pediram eleições


CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A CARACAS

A oposição ao presidente Hugo Chávez fez o que anunciou: "tomou" Caracas a partir do início da tarde de ontem, em uma megamanifestação que partiu de cinco pontos diferentes e foi até a praça Venezuela, no centro da capital.
Mas o presidente Chávez também fez o que anunciara, na madrugada, a dois jornalistas brasileiros: não deixou que a marcha se aproximasse do Palácio de Miraflores, a sede governamental.
"Não se pode permitir que uma marcha, violando todas as leis, se dirija ao Palácio de Miraflores pregando a saída do presidente. Nenhuma marcha, nessas condições, vai chegar a Miraflores", afirmou o presidente.
Chávez já tinha, àquela altura, a informação de que os oposicionistas haviam desistido de chegar ao palácio, preferindo concentrar-se na praça Venezuela, "a vários quilômetros daqui".
Mas, acrescentou, "se algum grupo exaltado, golpista ou fascista da oposição pretende seguir até o palácio, não vai chegar".
Em tese, portanto, deu empate no início de um período que o próprio Chávez considera crítico para superar a crise venezuelana ou levá-la ao ponto de ebulição.
Empate reforçado pelo fato de que houve também uma grande marcha a favor do presidente, que partiu de três pontos diferentes para se concentrar em frente à sede principal da PDVSA (a estatal petrolífera).

"Vete ya"
Mas, visualmente, ganhou a oposição: Caracas vestiu-se de vermelho-amarelo-azul, as cores da bandeira, usadas como símbolo dos antichavistas, dançou ao som da salsa típica caribenha, gritou "vete ya" (vá embora já). Ao final, ainda ficou a ameaça de Antonio Ledezma, um dos integrantes da Coordenadora Democrática, a multifacetada coalizão oposicionista, de dirigir-se, sim, a Miraflores no futuro.
O fato de a marcha não ter chegado ao palácio e, portanto, ter sido evitado um confronto que poderia ser sangrento retira de cena apenas um dos dois grandes fatores potenciais de agravamento da crise. O outro, no entanto, continua do mesmo tamanho e é o mais sério, na verdade: a greve, iniciada no dia 2, e o boicote promovido pelos quadros gerenciais da PDVSA, que mina o abastecimento de combustíveis, a ponto de levar ao racionamento: o governo determinou ontem que cada veículo terá direito a apenas 30 litros de gasolina até que se supere a escassez.
Ao anunciar a medida, o general Jorge García Carneiro, chefe da guarnição de Caracas, disse esperar a normalização em 72 horas.
É improvável que o general acerte: embora a Justiça tenha determinado a volta ao trabalho do pessoal da PDVSA, os funcionários resolveram desafiar a Justiça e manter a greve, em assembléia realizada ontem.
O líder grevista Juan Fernández, ex-gerente de planejamento da empresa, usou o curioso argumento de que "um tribunal não pode obrigar uma pessoa a trabalhar se ela não quer. Independentemente de qualquer consideração de ordem trabalhista está a defesa da democracia", afirmou.
Não ficou claro como se defende a democracia desobedecendo uma decisão judicial.

Crise aguda
A greve petrolífera é justamente o principal temor de César Gaviria, o secretário-geral da OEA (Organização dos Estados Americanos), que funciona como "facilitador" de um até agora infrutífero diálogo oposição-governo.
Gaviria trabalha com a hipótese de que a greve petrolífera levará a uma crise aguda de abastecimento, do que derivariam saques ao comércio e confrontos.
A hipótese de que surjam mais adiante os confrontos ontem evitados está na cabeça também de Willian Lara, presidente da Assembléia Nacional (o Congresso unicameral), conforme expôs ontem a Marco Aurélio Garcia, o enviado especial do presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva. Dos dois lados, há grupos ultra-radicais e fora de controle que podem incendiar o país, avalia o deputado governista.
Tem razão: do lado oposicionista, a colunista do jornal "El Nacional", Ibéyse Pacheco, informou ontem sobre manifesto de um certo Comando 6 de Dezembro, que considera "alvos militares" oito funcionários do governo, entre eles o ministro do Interior, Diosdado Cabello, e o irmão de Chávez, Adán Chávez.
Parece próximo de uma sentença de morte.
Do lado chavista, grupos de blusões negros e rosto coberto picharam nos muros do canal de TV RCTV a frase: "Se derrubarem Chávez, queimaremos os canais". E assinaram Tupamaros, nome de grupo guerrilheiro uruguaio.
O impasse, o risco de violência, a perspectiva de que, pela força, nem um lado nem o outro conseguirá eliminar o adversário, parecem, no entanto, estar conduzindo a um cansaço de parte a parte.
Cansaço refletido em colunas de opinião de antichavistas, como a do advogado Eduardo Arroyo Talavera, que escreve para o "El Nacional": "Não me sinto à vontade em uma greve recheada do design e dos símbolos dos que podem pegar o avião e se mandar para Miami".


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