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NEGACIONISMO
Para Lipstadt, não é possível discutir a questão nuclear com um país cujo presidente duvida do Holocausto
Irã se expõe ao atacar judeus, diz analista
MARCOS GUTERMAN
EDITOR-ADJUNTO DE MUNDO
A "conferência" que o Irã pretende convocar para examinar as
"provas científicas" do Holocausto, anunciada por Teerã no último dia 15, mostra a "falência moral" da liderança daquele país, na
opinião da historiadora americana Deborah Lipstadt, uma das
maiores autoridades mundiais
em negacionismo do Holocausto.
"Como você pode ter uma discussão séria sobre armas nucleares e segurança regional com um
país no qual a liderança convoca
uma conferência desse tipo?", disse Lipstadt, pesquisadora da Universidade Emory, em Atlanta
(Geórgia), em entrevista à Folha.
Para ela, a iniciativa iraniana "é
a velha tática dos negacionistas":
propor o "debate" de fatos incontestáveis em lugar de simplesmente negá-los, tudo em nome da
suposta "busca pela verdade".
O anúncio da "conferência" culminou uma onda de declarações
do presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, contra os judeus e o Estado de Israel.
Numa delas, ele disse que Israel
seria "varrido do mapa". Em outra, afirmou que o massacre de judeus europeus pelos nazistas na
Segunda Guerra é um "mito",
causando intensa repercussão negativa em quase todo o mundo.
Anteontem, ele voltou à carga e
disse que, se os países europeus
aceitassem receber os judeus que
emigraram para Israel e lhes garantissem segurança contra os
anti-semitas, nenhum judeu permaneceria em Israel.
É o tipo do discurso que se enquadra no século 19, quando a
Europa ainda discutia a emancipação dos judeus, e não no século
21, quando Israel integra solidamente a comunidade das nações.
Para os propósitos de Ahmadinejad, no entanto, esse anacronismo
é irrelevante: o que interessa é reviver o "debate" sobre a existência
de Israel.
O interessante na história toda,
segundo Lipstadt, é que a negação
do Holocausto nunca fez parte do
anti-semitismo iraniano. "É inteiramente novo. E parece que essa
novidade vem diretamente de
Ahmadinejad."
Estratégia
A questão é saber o que Ahmadinejad pretende com esses ataques. "Há gente que diz simplesmente que Ahmadinejad é louco.
Ele parece ser meio louco mesmo,
mas é um tipo de louco enganador", diz Lipstadt. Nessa linha de
raciocínio, o presidente iraniano
pode estar buscando na verdade
uma forma de consolidar-se no
poder contra os reformistas dentro do próprio país.
Eleito com o voto dos mais pobres em junho de 2005, Ahmadinejad prometeu melhorar a vida
desses eleitores, mas sabe que será
difícil. "Então é muito mais fácil
distraí-los revivendo a prática dos
tempos da Revolução Islâmica
[1979] de culpar Israel e os judeus
pelos males do país", disse à Folha Max Friedman, historiador da
Universidade Estadual da Flórida,
também especialista em nazismo.
Num segundo nível, continua
Friedman, as declarações de Ahmadinejad devem ser lidas no
contexto de seu enfrentamento
com o Ocidente, no que diz respeito ao programa nuclear iraniano. "Com seu discurso radical,
Ahmadinejad tem deliberadamente sabotado qualquer chance
de diálogo, para continuar com
seus planos sem interferência."
O problema é que a condenação
ocidental parece ser justamente o
que Ahmadinejad quer, segundo
Friedman. "O desafio para o Ocidente é como manifestar sua censura às posições do presidente iraniano sobre os judeus sem escalar
um conflito que pode dar a Ahmadinejad mais simpatizantes
nacionalistas, ampliando o isolamento do Irã."
Finalmente, as diatribes de Ahmadinejad contra os judeus podem ter grande impacto no mundo muçulmano, mas pequeno fora dele, segundo concordam Lipstadt e Friedman.
"A negação do Holocausto já é
bastante disseminada no Oriente
Médio, assim como outras teorias
da conspiração, como os "Protocolos dos Sábios de Sião", uma
fraude de mais de cem anos que
atribui aos judeus um plano para
dominar o mundo", explica
Friedman.
"Uma iniciativa como a dessa
conferência pode temporariamente aumentar o interesse por
essas falsas idéias, enquanto a
condenação internacional que a
acompanhará acabará tendo efeitos educativos [em relação ao Holocausto], embora, se o padrão do
passado se confirmar, a condenação só se dará na imprensa ocidental."
Ainda assim, Lipstadt considera
que a imprensa ocidental também
não está bem preparada para lidar
com o tema. Para a historiadora,
os jornalistas precisam "fazer a lição de casa", isto é, estudar a história da Segunda Guerra Mundial
e da barbárie nazista, para não
aceitarem como autênticas e sérias as "novidades" mentirosas
sobre o Holocausto apresentadas
pelos revisionistas.
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