São Paulo, domingo, 22 de janeiro de 2006

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NEGACIONISMO

Para Lipstadt, não é possível discutir a questão nuclear com um país cujo presidente duvida do Holocausto

Irã se expõe ao atacar judeus, diz analista

MARCOS GUTERMAN
EDITOR-ADJUNTO DE MUNDO

A "conferência" que o Irã pretende convocar para examinar as "provas científicas" do Holocausto, anunciada por Teerã no último dia 15, mostra a "falência moral" da liderança daquele país, na opinião da historiadora americana Deborah Lipstadt, uma das maiores autoridades mundiais em negacionismo do Holocausto.
"Como você pode ter uma discussão séria sobre armas nucleares e segurança regional com um país no qual a liderança convoca uma conferência desse tipo?", disse Lipstadt, pesquisadora da Universidade Emory, em Atlanta (Geórgia), em entrevista à Folha.
Para ela, a iniciativa iraniana "é a velha tática dos negacionistas": propor o "debate" de fatos incontestáveis em lugar de simplesmente negá-los, tudo em nome da suposta "busca pela verdade".
O anúncio da "conferência" culminou uma onda de declarações do presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, contra os judeus e o Estado de Israel.
Numa delas, ele disse que Israel seria "varrido do mapa". Em outra, afirmou que o massacre de judeus europeus pelos nazistas na Segunda Guerra é um "mito", causando intensa repercussão negativa em quase todo o mundo.
Anteontem, ele voltou à carga e disse que, se os países europeus aceitassem receber os judeus que emigraram para Israel e lhes garantissem segurança contra os anti-semitas, nenhum judeu permaneceria em Israel.
É o tipo do discurso que se enquadra no século 19, quando a Europa ainda discutia a emancipação dos judeus, e não no século 21, quando Israel integra solidamente a comunidade das nações. Para os propósitos de Ahmadinejad, no entanto, esse anacronismo é irrelevante: o que interessa é reviver o "debate" sobre a existência de Israel.
O interessante na história toda, segundo Lipstadt, é que a negação do Holocausto nunca fez parte do anti-semitismo iraniano. "É inteiramente novo. E parece que essa novidade vem diretamente de Ahmadinejad."

Estratégia
A questão é saber o que Ahmadinejad pretende com esses ataques. "Há gente que diz simplesmente que Ahmadinejad é louco. Ele parece ser meio louco mesmo, mas é um tipo de louco enganador", diz Lipstadt. Nessa linha de raciocínio, o presidente iraniano pode estar buscando na verdade uma forma de consolidar-se no poder contra os reformistas dentro do próprio país.
Eleito com o voto dos mais pobres em junho de 2005, Ahmadinejad prometeu melhorar a vida desses eleitores, mas sabe que será difícil. "Então é muito mais fácil distraí-los revivendo a prática dos tempos da Revolução Islâmica [1979] de culpar Israel e os judeus pelos males do país", disse à Folha Max Friedman, historiador da Universidade Estadual da Flórida, também especialista em nazismo.
Num segundo nível, continua Friedman, as declarações de Ahmadinejad devem ser lidas no contexto de seu enfrentamento com o Ocidente, no que diz respeito ao programa nuclear iraniano. "Com seu discurso radical, Ahmadinejad tem deliberadamente sabotado qualquer chance de diálogo, para continuar com seus planos sem interferência."
O problema é que a condenação ocidental parece ser justamente o que Ahmadinejad quer, segundo Friedman. "O desafio para o Ocidente é como manifestar sua censura às posições do presidente iraniano sobre os judeus sem escalar um conflito que pode dar a Ahmadinejad mais simpatizantes nacionalistas, ampliando o isolamento do Irã."
Finalmente, as diatribes de Ahmadinejad contra os judeus podem ter grande impacto no mundo muçulmano, mas pequeno fora dele, segundo concordam Lipstadt e Friedman.
"A negação do Holocausto já é bastante disseminada no Oriente Médio, assim como outras teorias da conspiração, como os "Protocolos dos Sábios de Sião", uma fraude de mais de cem anos que atribui aos judeus um plano para dominar o mundo", explica Friedman.
"Uma iniciativa como a dessa conferência pode temporariamente aumentar o interesse por essas falsas idéias, enquanto a condenação internacional que a acompanhará acabará tendo efeitos educativos [em relação ao Holocausto], embora, se o padrão do passado se confirmar, a condenação só se dará na imprensa ocidental."
Ainda assim, Lipstadt considera que a imprensa ocidental também não está bem preparada para lidar com o tema. Para a historiadora, os jornalistas precisam "fazer a lição de casa", isto é, estudar a história da Segunda Guerra Mundial e da barbárie nazista, para não aceitarem como autênticas e sérias as "novidades" mentirosas sobre o Holocausto apresentadas pelos revisionistas.


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