São Paulo, sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

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Face remanescente do Estado, polícia só tem armas letais

FÁBIO ZANINI
ENVIADO ESPECIAL A PORTO PRÍNCIPE

Considerada truculenta e com histórico de corrupção, a Polícia Nacional do Haiti tornou-se a personificação do Estado haitiano pós-terremoto.
Com o palácio presidencial em ruínas, ministérios devastados, igreja sem teto, serviço de saúde precário e de educação paralisado, a polícia se destaca nas ruas de Porto Príncipe.
O fato de que seu quartel-general está de pé, com poucos indícios de rachadura e abrigando o presidente René Préval e seu gabinete é mais do que um mero simbolismo.
No país todo, há cerca de 9.000 membros da força (50% na capital), fazendo policiamento ostensivo nas áreas mais críticas e orientando o trânsito.
Estão geralmente armados com fuzis, ocupando vistosos carros e chamando a atenção num país que desde os anos 90 não tem Exército, Marinha ou Aeronáutica. A polícia é a única força haitiana digna de nome.
"Eles são bem equipados e estão investindo muito na formação das novas turmas, mas ainda têm grandes deficiências sobretudo no relacionamento com a população", afirma o tenente-coronel Sérgio Tratz, coordenador de operações do batalhão brasileiro, e responsável pelo elo com os haitianos.
O investimento é hipertrofiado em estrutura e equipamento, e precário na parte de recursos humanos. O salário médio do policial haitiano é de US$ 300 (grande para os padrões locais, mas insuficiente para impedir que muitos se corrompam). O policial ganha só uma farda ao se formar. As outras tem de comprar com recursos próprios.
Não há estimativa de quantos policiais morreram no terremoto. Das cinco grandes bases da polícia na capital, duas ruíram e três estão funcionando. Na maior delas, na favela de Cité Soleil, os danos são mínimos. "As paredes são feitas de muito concreto e aço reforçado", relata, orgulhoso, o subdelegado Jean Blaise.
O prédio é um elefante branco que contrasta com a miséria dos barracos em volta. Ali, 70 policiais combatem assaltos, estupros e um crescente tráfico de maconha.
Segundo Blaise, o tratamento é adequado para cidadãos de bem. "Há dois tipos de pessoas aqui. Os que nos ajudam a combater o crime são nossos amigos. Os que se aproveitam de um terremoto para roubar casas serão perseguidos sempre."
Com o terremoto, a polícia está tentando mostrar uma face mais humana. Distribui garrafas de água para população, jogando-as de cima de um caminhão -método criticado por especialistas, por privilegiar apenas os mais fortes.
Nos últimos meses, brasileiros e haitianos passaram a fazer operações conjuntas nas ruas da capital. Mas ainda hoje a supervisão é da Minustah. Enquanto os policias haitianos param motoristas para pedir documentos e questioná-los, os soldados da força internacional ficam no entorno, assegurando a segurança do local.
Às vezes, diz Tratz, os brasileiros têm de intervir em cenas de truculência praticadas pelos haitianos contra a população.
Há uma preocupação da Minustah de não ter sua imagem contaminada por episódios de violência em operações com a polícia. Nos dias que se seguiram ao terremoto, a última tomou as ruas de Porto Príncipe, disposta a evitar saques de lojas a todo custo. Em vários pontos do centro, atirou com munição de verdade contra homens que corriam, matando alguns.
Isso tem relação direta com o fato de a polícia não usar armas não letais, como bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha. "Existe um modus operandi de atirar para cima, com munição de verdade. Não é o jeito de controlar uma multidão", reconhece Tratz.


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