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Face remanescente do Estado, polícia só tem armas letais
FÁBIO ZANINI
ENVIADO ESPECIAL A PORTO PRÍNCIPE
Considerada truculenta e
com histórico de corrupção, a
Polícia Nacional do Haiti tornou-se a personificação do Estado haitiano pós-terremoto.
Com o palácio presidencial
em ruínas, ministérios devastados, igreja sem teto, serviço de
saúde precário e de educação
paralisado, a polícia se destaca
nas ruas de Porto Príncipe.
O fato de que seu quartel-general está de pé, com poucos indícios de rachadura e abrigando o presidente René Préval e
seu gabinete é mais do que um
mero simbolismo.
No país todo, há cerca de
9.000 membros da força (50%
na capital), fazendo policiamento ostensivo nas áreas mais
críticas e orientando o trânsito.
Estão geralmente armados
com fuzis, ocupando vistosos
carros e chamando a atenção
num país que desde os anos 90
não tem Exército, Marinha ou
Aeronáutica. A polícia é a única
força haitiana digna de nome.
"Eles são bem equipados e
estão investindo muito na formação das novas turmas, mas
ainda têm grandes deficiências
sobretudo no relacionamento
com a população", afirma o tenente-coronel Sérgio Tratz,
coordenador de operações do
batalhão brasileiro, e responsável pelo elo com os haitianos.
O investimento é hipertrofiado em estrutura e equipamento, e precário na parte de
recursos humanos. O salário
médio do policial haitiano é de
US$ 300 (grande para os padrões locais, mas insuficiente
para impedir que muitos se
corrompam). O policial ganha
só uma farda ao se formar. As
outras tem de comprar com recursos próprios.
Não há estimativa de quantos
policiais morreram no terremoto. Das cinco grandes bases
da polícia na capital, duas ruíram e três estão funcionando.
Na maior delas, na favela de Cité Soleil, os danos são mínimos.
"As paredes são feitas de muito
concreto e aço reforçado", relata, orgulhoso, o subdelegado
Jean Blaise.
O prédio é um elefante branco que contrasta com a miséria
dos barracos em volta. Ali, 70
policiais combatem assaltos,
estupros e um crescente tráfico
de maconha.
Segundo Blaise, o tratamento é adequado para cidadãos de
bem. "Há dois tipos de pessoas
aqui. Os que nos ajudam a combater o crime são nossos amigos. Os que se aproveitam de
um terremoto para roubar casas serão perseguidos sempre."
Com o terremoto, a polícia
está tentando mostrar uma face mais humana. Distribui garrafas de água para população,
jogando-as de cima de um caminhão -método criticado por
especialistas, por privilegiar
apenas os mais fortes.
Nos últimos meses, brasileiros e haitianos passaram a fazer
operações conjuntas nas ruas
da capital. Mas ainda hoje a supervisão é da Minustah. Enquanto os policias haitianos param motoristas para pedir documentos e questioná-los, os
soldados da força internacional
ficam no entorno, assegurando
a segurança do local.
Às vezes, diz Tratz, os brasileiros têm de intervir em cenas
de truculência praticadas pelos
haitianos contra a população.
Há uma preocupação da Minustah de não ter sua imagem
contaminada por episódios de
violência em operações com a
polícia. Nos dias que se seguiram ao terremoto, a última tomou as ruas de Porto Príncipe,
disposta a evitar saques de lojas
a todo custo. Em vários pontos
do centro, atirou com munição
de verdade contra homens que
corriam, matando alguns.
Isso tem relação direta com o
fato de a polícia não usar armas
não letais, como bombas de gás
lacrimogêneo e balas de borracha. "Existe um modus operandi de atirar para cima, com munição de verdade. Não é o jeito
de controlar uma multidão",
reconhece Tratz.
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