São Paulo, domingo, 22 de fevereiro de 2004

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ORIENTE MÉDIO

Corte Internacional de Justiça analisa, a partir de amanhã, legalidade da separação que Israel constrói na Cisjordânia

Tribunal da ONU julga barreira israelense

OTÁVIO DIAS
DA REDAÇÃO

A Corte Internacional de Justiça (CIJ), órgão ligado à ONU sediado em Haia (Holanda), inicia amanhã sessões em que analisará a legalidade de uma barreira que Israel está construindo para isolar seu território da Cisjordânia, área palestina ocupada desde 1967.
Israel diz que a "cerca de defesa" é fundamental para defender sua população de homens-bomba palestinos, que mataram mais de 400 israelenses nos últimos anos.
Já os palestinos afirmam que o "muro do apartheid" anexa parte de suas terras a Israel, inviabiliza um futuro Estado palestino e traz sérios prejuízos à vida de centenas de milhares de palestinos.
A CIJ, principal órgão judicial da ONU, é constituída por 15 juízes de vários países, entre eles o brasileiro Francisco Rezek.
Ela atua em duas situações: tem a atribuição de arbitrar disputas legais entre Estados como, por exemplo, desentendimentos fronteiriços -nesse caso, porém, necessita do consentimento dos Estados envolvidos; e pode ser convocada a dar pareceres sobre questões legais de âmbito internacional por cinco órgãos da ONU e 16 agências ligadas à entidade.
Desde 1946, a corte emitiu 24 pareceres, que não têm força de lei, mas em geral são respeitados e influenciam a opinião pública internacional.
A análise sobre a barreira foi pedida pela Assembléia Geral da ONU, que, em dezembro, aprovou -por 90 votos a favor, 8 contra e 74 abstenções- proposta palestina nesse sentido. EUA e Israel votaram contra. As delegações da União Européia se abstiveram. O Brasil votou a favor.
A Assembléia Geral é formada pelos Estados-membros da ONU e, diferentemente do Conselho de Segurança, nela não há poder de veto. Mas suas resoluções não são de cumprimento obrigatório.
A partir de amanhã, a primeira decisão que a CIJ terá de tomar é se deve deliberar sobre o tema.
Israel sustenta que o tribunal não é o local adequado para tratar de um assunto que deve ser resolvido pelos israelenses e os palestinos. O governo do premiê Ariel Sharon optou por não enviar representantes legais às sessões.
Um aspecto a ser avaliado é se a CIJ deve intervir sem o acordo de uma das partes, pois pode-se argumentar que estaria driblando o princípio de que um Estado não é obrigado a aceitar que suas disputas sejam submetidas a um tribunal sem seu consentimento.
No entanto, os palestinos ainda não possuem um Estado, embora a ONU preveja sua criação. Logo, a divergência quanto à barreira não poderia ser arbitrada como se fosse uma contenda entre dois Estados. Restou a alternativa do pedido de um parecer.
Há quem sustente que uma intervenção da corte em um aspecto do conflito israelo-palestino complicará o já difícil processo de paz no Oriente Médio. É o caso dos EUA e da União Européia (UE), que enviaram à CIJ declarações por escrito nesse sentido.
Os EUA, principais aliados de Israel, e a UE criticaram a barreira tal como ela foi projetada pelo governo Ariel Sharon. Para os EUA, o plano de paz proposto pelo presidente George W. Bush, e aceito -mas não implementado- por Israel e pela Autoridade Nacional Palestina (ANP), é o caminho para a solução do conflito.
Ao todo, 44 países, além da ANP, da Liga dos Estados Árabes e da Organização da Conferência Islâmica (OCI), enviaram opiniões por escrito. Entre eles o Brasil, que reconheceu o direito de Israel de adotar medidas para defender seus cidadãos, mas considerou que a barreira levanta questões jurídicas por estar sendo construída em terras palestinas.
Treze países apresentarão oralmente sua visão, a maioria deles muçulmanos, como Arábia Saudita, Turquia e Indonésia. Cuba e África do Sul também falarão, assim como a ANP, a Liga Árabe e a OCI. Os EUA, os países europeus e o Brasil não participarão.
Israel não entrará no debate legal, mas despachou para Haia a carcaça de um ônibus explodido por um homem-bomba e o exibirá diante do Palácio da Paz, sede do tribunal. Familiares de vítimas de atentados darão entrevistas.
O governo israelense disse ontem que começará a demolir hoje um trecho de 8 km da barreira que cerca a vila palestina de Zeita e isola seus 7.000 habitantes. Mas ressaltou que a decisão não tem relação com o fato de a corte da ONU começar a estudar o tema.
Uma das críticas à barreira é o fato de ela separar centenas de milhares de palestinos de suas terras, dos locais de trabalho, dos serviços como saúde e educação, de outras cidades e de familiares.
Segundo o projeto do governo Sharon, a barreira terá cerca de 720 quilômetros e um trajeto polêmico. Está sendo erguida em território ocupado, paralelamente à fronteira de Israel reconhecida internacionalmente antes da guerra de 1967. Mas, em certos pontos, avança vários quilômetros Cisjordânia adentro para proteger assentamentos judaicos considerados ilegais pela ONU. Chega a cercar totalmente cidades palestinas, como em Qalqilya.
Diante da pressão internacional, Israel anunciou que modificará o trajeto. Mas deixou claro que sua primeira obrigação é defender seus cidadãos.


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