|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"Obama deve tomar tolerância pragmática como princípio"
Para John Ikenberry, é preciso trocar confronto por cooperação para resolver questões caras aos EUA e frear autoritarismo em potências
Especialista em relações internacionais defende que presidente explore agenda comum com a Rússia e sobretudo com a China
Alexander Demianchuk-20.jan.09/ Reuters
|
|
Russo vende boneca matryoshka de Obama e Bush; novo governo ainda hesita quanto à Rússia
RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL
Pouco antes de chegar à China em seu tour asiático, anteontem, a secretária de Estado
dos EUA, Hillary Clinton, declarou que era melhor "aceitar
a discordância" entre seu país e
a potência emergente, em assuntos como desrespeito aos
direitos humanos e controle do
Tibete, do que permitir que esses temas impeçam novos acordos e uma maior aproximação
entre os dois países.
Numa outra frente, bem menos prioritária, o governo norte-americano reafirmou seu
desejo de cooperar com o
Equador, "inclusive em temas
policiais". O anúncio foi feito
no dia seguinte à expulsão, pelo
país sul-americano, do segundo
homem na hierarquia da embaixada local dos EUA, acusado
de tentar interferir em operações de segurança do Equador.
Tolerância pragmática é o
novo princípio da política externa norte-americana.
Um dos principais defensores da estratégia, John Ikenberry, 54, professor de relações
internacionais da Universidade
Princeton, diz na entrevista a
seguir que seu país precisa evitar a todo custo a confrontação
com potências emergentes como Rússia e China -princípio
que, segundo ele, é apoiado por
integrantes do governo de Barack Obama.
Para Ikenberry, essa tolerância e cooperação são necessárias para a solução de questões
caras aos EUA (como a transição no Irã), para consolidar
uma arquitetura de poder internacional que seja respeitada
por China e Rússia e, não menos importante, para conter e
não criar incentivos para a perpetuação do poder autoritário,
antidemocrático, que ainda vigora nessas potências.
Se partisse para o confronto,
diz o especialista, os EUA poderiam isolar esses países e incentivar o surgimento de um "bloco autoritário", aumentando a possibilidade de conflitos desnecessários no cenário global.
FOLHA - O sr. crê que o governo
Obama concorde com suas ideias?
JOHN IKENBERRY - Sim, creio que
claramente em relação à China,
ao menos, há uma visão de que
é melhor trazê-la para projetos
cooperativos -em assuntos como energia e ambiente- do
que confrontá-la. É isso que Hillary Clinton disse em seus discursos antes de partir para as
visitas na Ásia.
Creio que há um debate
maior quanto ao modo de lidar
com a Rússia -se é melhor
pressioná-la em assuntos como
escudo antimísseis e a incorporação da Geórgia e da Ucrânia à
Otan [aliança militar ocidental]. O que defendemos é que
permitir alguma ação da Rússia
na sua periferia imediata é a estratégia mais eficaz, porque
evita o ressentimento nacional
que alimenta o poder autoritário local. Mas ainda há um debate no governo Obama sobre
como lidar com a Rússia -até
que ponto insistir no escudo
antimísseis ou fazer concessões em vários temas relacionados às suas fronteiras.
FOLHA - O vice-presidente Joe Biden fez um movimento de aproximação em relação à Rússia.
IKENBERRY - Sim. O que ele fez
foi apertar o botão de "reiniciar" na relação entre os dois
países. Isso é alentador.
Ao mesmo tempo, há alguns
integrantes do governo que desejam ver uma Otan ampliada
que inclua a Geórgia e a Ucrânia. Outros são céticos quanto a
essa iniciativa, e creem que ela
traria mais prejuízos que benefícios. Seria mais inteligente,
creio, não dar esse passo, e assim permitir negociações com
a Rússia em assuntos que realmente importam para os EUA,
como o Irã, por exemplo, e controle da proliferação nuclear.
FOLHA - Suas propostas se baseiam na ideia de que, a longo prazo, países com governos mais autoritários, como Rússia e China, tendem a se tornar mais democráticos.
Há algum sinal de que isso esteja em
vias de acontecer?
IKENBERRY - Na China é possível
ver sinais de reformas liberais,
claro que mais no campo econômico. Não vemos ainda nenhum sinal de uma democracia
plena se formando. Mas o que
dissemos é que há pressões para que isso venha a acontecer, e
a ideia de que esses países podem se modernizar e ao mesmo
tempo se manterem autoritários está errada. Não creio que
esses países tenham encontrado uma nova via, em que possam simultaneamente se modernizar, ver o capitalismo
avançar e, ao mesmo tempo,
manter suas estruturas de poder tal como são hoje.
Não posso fornecer uma previsão de futuras reformas democráticas nesses países, mas
há pressões e incentivos nessa
direção.
FOLHA - O que as potências ocidentais têm a ganhar com essa política
de não-confrontação?
IKENBERRY - Quanto à China, temos vários interesses em comum. Tanto a China quanto os
EUA dependem da importação
de petróleo do Oriente Médio e
têm interesse na estabilidade
da região e em preços moderados de petróleo. Isso cria também interesses comuns em
energias alternativas e formas
"limpas" de geração de energia.
Há uma grande agenda que
uma aproximação cooperativa
com a China pode impulsionar.
Quanto à Rússia também. Há
várias negociações internacionais que a Rússia pode travar
ou prejudicar.
FOLHA - E o que as potências ocidentais têm a perder se não fizerem
concessões a esses países?
IKENBERRY - A posição de confrontação cria uma profecia
que se autorrealiza. Se os EUA
se posicionarem de forma hostil a esses países, eles farão o
mesmo em relação a nós. Você
pode imaginar uma colaboração maior entre a China e a
Rússia, um bloco "autoritário".
Maior competição por recursos
energéticos, e, com a Rússia,
você reduziria os incentivos para o Irã cooperar e permitir um
controle internacional maior
de suas pesquisas nucleares.
FOLHA - Qual o lugar do Irã nesse
seu argumento?
IKENBERRY - Teremos um teste
dessa ideia no Irã. Veremos se
eles realmente estarão dispostos a negociar e se, com os EUA
se dispondo a isso, eles "abrirão
o punho fechado". Esse é o "experimento" que o governo Obama está fazendo.
FOLHA - Críticos poderiam dizer
que há um risco nessa sua proposta,
já que, enquanto Obama negocia
com o Irã, o regime islâmico poderia
ganhar tempo para construir a sua
bomba.
IKENBERRY - Mesmo se você não
negocia, eles podem continuar
a desenvolver sua bomba. Negociações não limitam as sanções e as tentativas de controle.
Além do mais, a estratégia alternativa não funcionou.
FOLHA - Uma coisa que o sr. afirma
ser importante nessa estratégia é o
refortalecimento de instituições
multilaterais internacionais. O sr. vê
sinais de que o governo Obama trabalhará nessa direção?
IKENBERRY - Creio que eles são
simpáticos a essa ideia, mas estamos no meio de uma crise
econômica e não está claro se
os avanços em política externa
poderão se manifestar de modo
rápido.
FOLHA - Por que é necessário o fortalecimento dessas instituições?
IKENBERRY - A melhor arma que
temos para nos proteger contra
os perigos de uma China emergente é um mundo liberal capitalista consolidado, integrado e
cooperativo. Quanto mais os
EUA e seus parceiros na Ásia,
América Latina e Europa estiverem satisfeitos no funcionamento de instituições multilaterais, mais países que estão
emergindo fora dessas instituições -fora de um mundo capitalista liberal, o que inclui a
Rússia e a China- terão incentivos para se adaptarem a esse
mundo e essas instituições e
procurarem se unir a elas.
Texto Anterior: Criador de agência se vê como o Larry Flynt do século 21 Próximo Texto: Frase Índice
|