São Paulo, domingo, 22 de fevereiro de 2009

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"Obama deve tomar tolerância pragmática como princípio"

Para John Ikenberry, é preciso trocar confronto por cooperação para resolver questões caras aos EUA e frear autoritarismo em potências

Especialista em relações internacionais defende que presidente explore agenda comum com a Rússia e sobretudo com a China

Alexander Demianchuk-20.jan.09/ Reuters
Russo vende boneca matryoshka de Obama e Bush; novo governo ainda hesita quanto à Rússia

RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL

Pouco antes de chegar à China em seu tour asiático, anteontem, a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, declarou que era melhor "aceitar a discordância" entre seu país e a potência emergente, em assuntos como desrespeito aos direitos humanos e controle do Tibete, do que permitir que esses temas impeçam novos acordos e uma maior aproximação entre os dois países.
Numa outra frente, bem menos prioritária, o governo norte-americano reafirmou seu desejo de cooperar com o Equador, "inclusive em temas policiais". O anúncio foi feito no dia seguinte à expulsão, pelo país sul-americano, do segundo homem na hierarquia da embaixada local dos EUA, acusado de tentar interferir em operações de segurança do Equador.
Tolerância pragmática é o novo princípio da política externa norte-americana. Um dos principais defensores da estratégia, John Ikenberry, 54, professor de relações internacionais da Universidade Princeton, diz na entrevista a seguir que seu país precisa evitar a todo custo a confrontação com potências emergentes como Rússia e China -princípio que, segundo ele, é apoiado por integrantes do governo de Barack Obama.
Para Ikenberry, essa tolerância e cooperação são necessárias para a solução de questões caras aos EUA (como a transição no Irã), para consolidar uma arquitetura de poder internacional que seja respeitada por China e Rússia e, não menos importante, para conter e não criar incentivos para a perpetuação do poder autoritário, antidemocrático, que ainda vigora nessas potências.
Se partisse para o confronto, diz o especialista, os EUA poderiam isolar esses países e incentivar o surgimento de um "bloco autoritário", aumentando a possibilidade de conflitos desnecessários no cenário global.

 

FOLHA - O sr. crê que o governo Obama concorde com suas ideias?
JOHN IKENBERRY
- Sim, creio que claramente em relação à China, ao menos, há uma visão de que é melhor trazê-la para projetos cooperativos -em assuntos como energia e ambiente- do que confrontá-la. É isso que Hillary Clinton disse em seus discursos antes de partir para as visitas na Ásia.
Creio que há um debate maior quanto ao modo de lidar com a Rússia -se é melhor pressioná-la em assuntos como escudo antimísseis e a incorporação da Geórgia e da Ucrânia à Otan [aliança militar ocidental]. O que defendemos é que permitir alguma ação da Rússia na sua periferia imediata é a estratégia mais eficaz, porque evita o ressentimento nacional que alimenta o poder autoritário local. Mas ainda há um debate no governo Obama sobre como lidar com a Rússia -até que ponto insistir no escudo antimísseis ou fazer concessões em vários temas relacionados às suas fronteiras.

FOLHA - O vice-presidente Joe Biden fez um movimento de aproximação em relação à Rússia.
IKENBERRY
- Sim. O que ele fez foi apertar o botão de "reiniciar" na relação entre os dois países. Isso é alentador.
Ao mesmo tempo, há alguns integrantes do governo que desejam ver uma Otan ampliada que inclua a Geórgia e a Ucrânia. Outros são céticos quanto a essa iniciativa, e creem que ela traria mais prejuízos que benefícios. Seria mais inteligente, creio, não dar esse passo, e assim permitir negociações com a Rússia em assuntos que realmente importam para os EUA, como o Irã, por exemplo, e controle da proliferação nuclear.

FOLHA - Suas propostas se baseiam na ideia de que, a longo prazo, países com governos mais autoritários, como Rússia e China, tendem a se tornar mais democráticos. Há algum sinal de que isso esteja em vias de acontecer?
IKENBERRY
- Na China é possível ver sinais de reformas liberais, claro que mais no campo econômico. Não vemos ainda nenhum sinal de uma democracia plena se formando. Mas o que dissemos é que há pressões para que isso venha a acontecer, e a ideia de que esses países podem se modernizar e ao mesmo tempo se manterem autoritários está errada. Não creio que esses países tenham encontrado uma nova via, em que possam simultaneamente se modernizar, ver o capitalismo avançar e, ao mesmo tempo, manter suas estruturas de poder tal como são hoje.
Não posso fornecer uma previsão de futuras reformas democráticas nesses países, mas há pressões e incentivos nessa direção.

FOLHA - O que as potências ocidentais têm a ganhar com essa política de não-confrontação?
IKENBERRY
- Quanto à China, temos vários interesses em comum. Tanto a China quanto os EUA dependem da importação de petróleo do Oriente Médio e têm interesse na estabilidade da região e em preços moderados de petróleo. Isso cria também interesses comuns em energias alternativas e formas "limpas" de geração de energia.
Há uma grande agenda que uma aproximação cooperativa com a China pode impulsionar.
Quanto à Rússia também. Há várias negociações internacionais que a Rússia pode travar ou prejudicar.

FOLHA - E o que as potências ocidentais têm a perder se não fizerem concessões a esses países?
IKENBERRY
- A posição de confrontação cria uma profecia que se autorrealiza. Se os EUA se posicionarem de forma hostil a esses países, eles farão o mesmo em relação a nós. Você pode imaginar uma colaboração maior entre a China e a Rússia, um bloco "autoritário".
Maior competição por recursos energéticos, e, com a Rússia, você reduziria os incentivos para o Irã cooperar e permitir um controle internacional maior de suas pesquisas nucleares.

FOLHA - Qual o lugar do Irã nesse seu argumento?
IKENBERRY
- Teremos um teste dessa ideia no Irã. Veremos se eles realmente estarão dispostos a negociar e se, com os EUA se dispondo a isso, eles "abrirão o punho fechado". Esse é o "experimento" que o governo Obama está fazendo.

FOLHA - Críticos poderiam dizer que há um risco nessa sua proposta, já que, enquanto Obama negocia com o Irã, o regime islâmico poderia ganhar tempo para construir a sua bomba.
IKENBERRY
- Mesmo se você não negocia, eles podem continuar a desenvolver sua bomba. Negociações não limitam as sanções e as tentativas de controle. Além do mais, a estratégia alternativa não funcionou.

FOLHA - Uma coisa que o sr. afirma ser importante nessa estratégia é o refortalecimento de instituições multilaterais internacionais. O sr. vê sinais de que o governo Obama trabalhará nessa direção?
IKENBERRY
- Creio que eles são simpáticos a essa ideia, mas estamos no meio de uma crise econômica e não está claro se os avanços em política externa poderão se manifestar de modo rápido.

FOLHA - Por que é necessário o fortalecimento dessas instituições?
IKENBERRY
- A melhor arma que temos para nos proteger contra os perigos de uma China emergente é um mundo liberal capitalista consolidado, integrado e cooperativo. Quanto mais os EUA e seus parceiros na Ásia, América Latina e Europa estiverem satisfeitos no funcionamento de instituições multilaterais, mais países que estão emergindo fora dessas instituições -fora de um mundo capitalista liberal, o que inclui a Rússia e a China- terão incentivos para se adaptarem a esse mundo e essas instituições e procurarem se unir a elas.


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