São Paulo, sexta-feira, 22 de abril de 2005

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País precisa de reestruturação profunda, diz analista

CAROLINA VILA-NOVA
DA REDAÇÃO

Tendo como pano de fundo a adoção de um programa de governo guiado pela ortodoxia do Fundo Monetário Internacional sob pressão da dolarização, e exacerbada pela deslegitimação da classe política no país, a crise no Equador exige como resposta uma reestruturação econômica e política. A análise é de Fernando Carrión, coordenador de estudos da Flacso (Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais) no Equador. Leia a seguir trechos de sua entrevista à Folha.

 

Folha - Lucio Gutiérrez foi eleito com um discurso populista de esquerda que depois deu lugar à adoção de uma política econômica ortodoxa. Que relevância tem esse componente na crise no Equador?
Fernando Carrión
- Gutiérrez passou ao segundo turno eleitoral com uma porcentagem inferior aos 19%. Isso significa que tinha uma baixíssima legitimidade de início. Sem uma estrutura partidária, ele chega à liderança do país sem um programa de governo. Ao carecer de legitimidade e de um programa, as propostas principais do Fundo Monetário Internacional se convertem em seu programa de governo basicamente pela pressão da dolarização. Essa foi a origem.
Depois ele foi se deslegitimando muito tanto pelo programa econômico ortodoxo como por muitos desacertos e por tentar governar com uma aliança de três partidos políticos do populismo mais clássico no país: o Partido Rodosista Equatoriano, cujo líder é o ex-presidente [Abdalá] Bucaram, o Partido de Renovação Institucional, do empresário mais poderoso no país, Alvaro Noboa, e a Sociedade Patriótica, do governo. Essa aliança produziu uma transformação da representação nas instituições fundamentais no país, o Tribunal Constitucional, o Tribunal Eleitoral e a Suprema Corte, basicamente captados por esses partidos, excluindo o resto das forças políticas e sociais. A cidade de Quito é a que sofreu mais isso, por ser a capital e eminentemente política. Diria que, à diferença da queda do ex-presidente [Jamil] Mahuad, que foi exclusivamente por fatores econômicos, nesse caso o problema fundamental é de caráter político.

Folha - Que forças políticas estão por trás da queda de Gutiérrez?
Carrión
- As forças que apoiavam Gutiérrez eram, primeiro, a embaixada americana, cujo apoio começa a se deteriorar após a aliança com os populistas; segundo, o Congresso, em que os partidos da aliança, por brigas entre compadres, acabam perdendo o controle hegemônico; terceiro, as Forças Armadas, com uma presença muito grande em algumas instituições e no controle da segurança dos cidadãos, um apoio que acabou quebrado. Ou seja, a sustentação do governo se debilitou.
Nesse contexto, a população espontaneamente sai às ruas para defender o "fora todos". Há uma fatura muito grande entre o que é movimento social e a representação política, de modo que é muito difícil dizer quais foram as forças sociais que estiveram explicitamente comandando a oposição.

Folha - Quais são as perspectivas com Alfredo Palacio presidente?
Carrión
- Os últimos três presidentes do Equador eleitos popularmente não terminaram seus mandatos. Isso significa que a queda de Gutiérrez não é uma exceção, mas uma norma. Há um problema estrutural de fundo que não se soluciona com um governo interino, a menos que ele decida implantar reformas estruturais importantes para mudar o sistema de representação política.
Por outro lado, o Estado equatoriano, centrado na produção petrolífera, entrou em crise. Todo o aparato produtivo está entrando em colapso pelo processo de dolarização, que significou uma perda de competitividade do país e o fechamento de empresas. Se não se tenta melhorar a competitividade e uma reativação econômica, dificilmente iremos adiante.
Se Palacio faz essas mudanças estruturais, poderemos sair desse ciclo de eleição presidencial popular e Presidência interina, que é o que está ocorrendo agora.


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