São Paulo, sábado, 22 de abril de 2006

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NO TOPO DO MUNDO

Certa vez, Gyanendra viajou porque Marte estava muito perto da Terra

Monarca é escravo da astrologia

BRUNO PHILIP
DO "LE MONDE", EM KATMANDU

Sua Majestade Gyanendra Bir Bikram Shah Dev pode ter tomado gosto pelas funções reais desde uma tenra idade. Isso porque o soberano foi rei duas vezes. Em 6 de novembro de 1950, quando tinha três anos, ele foi colocado sobre o trono pelo último primeiro-ministro dos aristocratas Ranas, que durante mais de um século haviam usurpado o poder das mãos da família real.
Gyanendra não era o príncipe herdeiro, mas foi coroado porque seu irmão, Birendra, seu pai, Mahendra, e seu avô, Tribhuvan, estavam na Índia, procurando o apoio de Nova Déli para reinstaurar a família Shah no trono.
Isso foi feito em fevereiro de 1951, quando Tribhuvan foi recoroado no palácio de Katmandu, de modo que Gyanendra "reinou" por três meses.
Uma outra virada da história lhe permitiria reascender ao trono 51 anos mais tarde. No dia 1º de junho de 2001, num gesto provocado pela recusa da rainha em deixá-lo casar-se com a mulher que amava, o jovem príncipe herdeiro Dipendra matou o rei, a rainha, um irmão e duas irmãs e quatro outros parentes. Tresloucado, em seguida suicidou-se.
Gyanendra, o irmão mais jovem de Birendra e único sobrevivente do massacre que pertencia à linhagem real, se tornou rei.
Era sabido que Gyanendra não aprovava a posição "branda" de seu irmão com relação à guerrilha maoísta. Ele optou por enviar seu Exército para atacar um dos redutos da insurreição. Em pouco tempo, Gyanendra mergulhou no autoritarismo e isolou-se da população nepalesa.
Em 2002, dissolveu o Parlamento e indicou primeiros-ministros saídos dos partidos democráticos. Em fevereiro de 2005, assumiu plenos poderes, passando por cima da Constituição, que prevê a monarquia constitucional.
Apesar disso, é possível que Gyanendra, que já foi empresário, não tivesse ambições reais. Para muitos nepaleses, porém, não há dúvida em relação ao que aconteceu: foi Gyanendra quem teria fomentado o massacre de seu irmão, para assumir seu lugar. O soberano é obcecado pela astrologia, as ciências ocultas e o tantra hindu.
Recentemente viajou à África do Sul e Tanzânia porque seus astrólogos o aconselharam a não permanecer no Nepal quando o planeta Marte estivesse muito perto da Terra. Há rumores de que ele ouve os conselhos de um místico de inspiração sufi, residente em Gauhati, no Estado indiano de Assam.
Apesar de supostamente ser reencarnação de Vishnu, o soberano desacreditado já deixou de ser reverenciado como "rei-deus". Após a eliminação da família real, todo o sistema monárquico baseado nas leis celestes passou a ser questionado.


Tradução de Clara Allain


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