São Paulo, quinta-feira, 22 de abril de 2010

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POLÍTICA EXTERNA/OPINIÃO

Gafes abalam imagem

JOHN PAUL RATHBONE
DO "FINANCIAL TIMES"

APÓS navegar pela crise global, o Brasil se tornou importante no palco das nações. Só na semana passada, Brasília acolheu os líderes de China, Rússia e Índia na segunda Cúpula dos Bric -a África do Sul também esteve lá.
O mais surpreendente foi a rapidez da ascensão do Brasil. O país participou pela primeira vez de uma Cúpula do G8 há apenas seis anos, como observador. Havia na época cerca de mil diplomatas brasileiros ocupando postos no exterior. Hoje são 1.400. No ano passado o Brasil até abriu embaixada em Pyongyang (Coreia do Norte).
"Brasil, Rússia, Índia e China têm um papel fundamental na criação de uma nova ordem internacional", disse o presidente Lula na semana passada, recorrendo a um tipo de retórica imperial que se poderia esperar de Rússia ou China. Mas no caso de Lula, a linguagem é adoçada pela imagem global de cara normal - ou "o" cara, como Barack Obama o chamou- desse ex-líder sindical de 64 anos.
Lula não sente nenhum desconforto em abraçar Hillary Clinton num dia e Mahmoud Ahmadinejad num outro -o que ele pretende fazer de novo durante visita a Teerã em maio.
"Estou contaminado pelo vírus da paz", diz Lula. Seu ministro da Defesa destaca que o país não tem inimigos.
No entanto, a política de arco-íris pode estar chegando ao seu limite e corre inclusive o risco de minar os planos de o Brasil conquistar um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.
Recentes gafes abalaram a imagem encantada do Brasil e a de seu presidente. "Um gigante político, mas um pigmeu moral", destacou Moisés Naím, editor da "Foreign Policy".
Houve o momento, em fevereiro, quando um militante de direitos humanos cubano morreu após uma greve de fome de 86 dias. "Não acho que uma greve de fome possa ser usada como pretexto para libertar gente", disse Lula, apesar de ele mesmo ter usado essa forma de protesto durante a ditadura militar no Brasil.
Há também a vizinha Colômbia, que o Brasil criticou pelo acordo com os EUA para usar bases colombianas, enquanto ignora o apoio da Venezuela à guerrilha das Farc e as compras de armas russas por Caracas.
Por fim, há o Irã. No ano passado, Lula parabenizou Ahmadinejad por sua contestada reeleição. Após comparar manifestantes a torcedores de futebol insatisfeitos, Lula convidou o iraniano ao Brasil, como parte do estilo de mediador adotado por Brasília, que apoia o direito do Irã à energia nuclear mas não às armas atômicas.
Para os críticos, é uma política externa narcisista e ingênua. Mas, a exemplo de todos os países poderosos, o Brasil persegue o que julga ser do seu interesse. Saber se está agindo certo é outra questão.
Os erros não custaram caro ao Brasil, até agora. O comércio responde por apenas um quinto da economia, portanto manter a boa vontade comercial do Ocidente não é algo decisivo. A política externa tem pouco impacto sobre os eleitores. O Brasil enfrenta menos desafios de segurança, necessidade econômica e política interna que a maioria. Por isso pode se dar ao luxo de dizer o que quiser -sobre Irã ou qualquer tema.
O desafio maior será depois da eleição presidencial de outubro, quando o Brasil deverá seguir sem o amparo do charme de Lula. A imagem de império de pelúcia pode não perdurar.


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