São Paulo, quinta-feira, 22 de maio de 2008

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ARTIGO

Nó libanês depende de paz Síria-Israel

MARCELO NINIO
DE GENEBRA

Pode ser mera coincidência que o acordo no Líbano e o reinício das negociações entre Síria e Israel tenham sido anunciados no mesmo dia -ou uma bem tramada composição diplomática para criar um duplo impacto. O que não há como ignorar é a íntima relação entre os dois processos.
Embora tenha se retirado do Líbano em 2005, após 29 anos de presença militar e domínio político, a Síria ainda exerce enorme influência no país. Além de manter uma sólida aliança com o grupo xiita Hizbollah, possui laços com o Exército e conta até com um representante legal, o Partido Nacionalista Social Sírio (PNSS), que tem dois deputados no Parlamento.
Na semana passada, a reportagem da Folha comprovou que bandeiras do PNSS tremulavam em áreas sunitas de Beirute tomadas a bala dias antes pelo Hizbollah, que teve a ajuda de militantes armados do partido pró-Síria na ação mais grave de violência sectária desde a guerra civil (1975-1990). Essa influência será peça fundamental de qualquer acordo de paz entre Israel e Síria.
Para Israel, o fim do apoio sírio ao Hizbollah e o rompimento da aliança entre Damasco e Teerã são consideradas condições básicas para um entendimento. Em troca, o governo israelense devolveria à Síria as colinas do Golã, território ocupado em 1967.
Levada pela pressão internacional a se retirar do Líbano após o assassinato do ex-premiê Rafik Hariri, em 2005, a Síria conseguiu manter um peso político considerável no país através de sua relação com o Hizbollah, que ainda serve para devolver a pressão em direção a Israel. Uzi Arad, ex-diretor de inteligência do Mossad, o serviço de espionagem israelense, acha que as negociações só avançarão se levarem em consideração todos esses atores, sem esquecer o Irã.
"Qualquer tentativa de acordo entre Síria e Israel que mantiver o foco na questão territorial entrará em colapso rapidamente", disse Arad à Folha por telefone, de Tel Aviv. "A aliança da Síria com o Hizbollah e o Irã torna a região instável, o que inviabiliza um entendimento que não desfaça essa conexão."
Arad lembra ainda que os problemas domésticos enfrentados atualmente pelo premiê israelense, Ehud Olmert, tornam ainda mais difícil a obtenção de progressos. Investigado por suspeita de suborno, Olmert é impopular e, segundo seus críticos, não tem legitimidade para fazer um acordo de paz com a Síria.
"Assim que a retomada das negociações foi anunciada, políticos tanto da direita como da esquerda começaram a insinuar que é uma forma de Olmert desviar a atenção de seus problemas domésticos", disse Arad. "Provavelmente foi assim que boa parte do público também recebeu a notícia."
Se a instabilidade no Líbano é um fator central na negociação entre Síria e Israel, o acordo obtido em Qatar para resolver o impasse libanês também sofreu influência da relação entre Damasco e Jerusalém. Um dos temas mais espinhosos do impasse político no Líbano, o desarmamento do Hizbollah, foi deixado de lado.
"O assunto foi levantado no início das negociações", disse de Beirute a analista Roula Talj, recém-chegada de Doha, onde acompanhou os cinco dias de contatos mediados por Qatar. "Mas a conclusão foi a de que o desarmamento do Hizbollah neste momento seria um presente para Israel."
Segundo ela, o assunto só será retomado após a conclusão de um acordo de paz entre Israel e Síria, que deverá negociar também em nome do Líbano. Pelo que ouviu durante os dias de negociação em Qatar, Roula acha que as bases de um acordo entre Síria e Israel já estão praticamente definidas, restando detalhes sobre a definição da fronteira.
Ainda assim, o entendimento só deverá ser concluído no próximo ano. De acordo com Talj, o veto do governo Bush, que acusa a Síria de apoiar a insurgência no Iraque, deve adiar um desfecho. "O acordo provavelmente terá que esperar pelo próximo morador da Casa Branca", diz ela.


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