São Paulo, terça-feira, 22 de junho de 2004

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IRAQUE OCUPADO

Advogados de militares indiciados poderão questionar generais, mas querem depoimentos de Rumsfeld e Bush

Acusados de tortura culpam Washington

DA REDAÇÃO

Os advogados de dois militares americanos que se apresentaram ontem à corte marcial montada em Bagdá para julgar a tortura de iraquianos na prisão de Abu Ghraib obtiveram o direito de questionar o alto escalão militar para estabelecer se seus clientes agiram sob ordens. Mas os defensores exigem mais: interrogar o secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, e, eventualmente, o presidente George W. Bush.
Entre os oficiais que poderão ser convocados a depor, estão os generais Ricardo Sanchez, comandante das tropas americanas no Iraque, John Abizaid, chefe do Comando Central americano para o Oriente Médio, e Geoffrey Miller, responsável pelas prisões iraquianas. Mas o juiz, coronel James Pohl, rejeitou o pedido dos representantes dos sargentos Javal Davis e Charles Graner Jr. para questionar Rumsfeld.
Paul Bergrin, que defende Davis, disse que a responsabilidade final pelo que ocorreu em Abu Ghraib cabe à Casa Branca. "Uma das últimas coisas que meu cliente ouviu antes de ser mandado para o Iraque, no ano passado, foi um discurso de Bush segundo o qual as Convenções de Genebra [que protegem prisioneiros de guerra] não se aplicavam à guerra contra o terror." Ele não pediu à corte que convocasse Bush porque não pode provar a ligação entre o discurso e as ações de seu cliente.
O juiz Pohl negou o pedido para mudar a corte para os EUA ou para a Alemanha -onde o Pentágono mantém base-, mas disse que reconsideraria a decisão dependendo do momento em que o julgamento for retomado -o advogado de Graner, Guy Womack, não espera audiências até outubro. Pohl também disse que Abu Ghraib, como cena do crime, não pode ser destruída -conforme Bush sugeriu recentemente e foi rechaçado pelos iraquianos.

24 anos e meio
Davis e Graner se apresentaram ontem para a audiência pré-julgamento, na qual deveriam se declarar culpados ou inocentes das acusações, mas não se manifestaram. O sargento Ivan Frederick 2º também se apresentou, mas teve sua audiência adiada para 23 de julho porque seu advogado se recusou a viajar até Bagdá.
Os três estão entre os sete militares americanos indiciados pela prática, em outubro passado, de abusos e torturas em Abu Ghraib, num escândalo que veio à tona no final de abril com a divulgação de centenas de fotos tiradas dentro da prisão iraquiana nas quais os militares envolvidos aparecem intimidando, humilhando sexualmente, espancando e maltratando prisioneiros.
Até agora, apenas o recruta Jeremy Sivits, que fez um acordo com a acusação, foi julgado. Sivits, que denunciou colegas em troca de sofrer acusações mais brandas, foi condenado a um ano de reclusão e expulso do Exército.
Graner, contra quem pesam as acusações mais graves, pode ser condenado a 24 anos e meio de prisão. Entre outras coisas, o sargento teria espancado um iraquiano até a perda da consciência e seria o responsável pela foto da pirâmide de iraquianos nus que ganhou as capas dos jornais.
Frederick pode ser condenado a até 16 anos e meio, e Davis, a oito. Todos podem ser rebaixados e expulsos do Exército.
Os advogados afirmam que seus clientes -que, em várias das fotos, aparecem sorrindo e fazendo sinal de "positivo"- agiram por ordem de superiores. "Ninguém pode sugerir, de cara limpa, que esses guardas estavam agindo sozinhos", disse Womack, afirmando poder provar que os comandantes da inteligência militar e os responsáveis pela prisão "estavam conscientes de tudo que estava sendo feito". "Eles estavam sob supervisão direta de oficiais da inteligência. Não dá para termos soldados americanos em uma zona de guerra questionando as ordens que recebem."
Bergrin, por sua vez, disse que os interrogadores usavam o que ele chamou de "métodos israelenses", como humilhação sexual e nudez -que, segundo ele, os israelenses usaram com sucesso para pressionar prisioneiros árabes.
O advogado de Davis disse que gostaria de questionar Bush porque "se sabe, pelos fatos, que o presidente mudou as regras de combate para a obtenção de informações".
Diversas investigações estão em curso, mas a primeira a ser concluída -um relatório assinado pelo general Antonio Taguba- limitou-se a citar falhas de comando nas esferas mais baixas, dizendo que não houve ordem para as práticas abusivas. Em contrapartida, relatórios do Comitê Internacional da Cruz Vermelha e de outras instituições humanitárias afirmam que as violações eram sistemáticas e disseminadas entre as forças americanas.
Está marcada para hoje a audiência pré-julgamento da soldado Lynndie England, celebrizada por aparecer em várias fotos de abusos. Diferentemente de seus colegas, England será julgada nos EUA. Ela foi dispensada do serviço no Iraque após engravidar -o pai é Graner, segundo a imprensa local. Outras duas recrutas indiciadas, Sabrina Harman e Megan Ambuhl, aguardam a decisão para saber se irão à corte marcial.


Com agências internacionais

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