São Paulo, domingo, 22 de junho de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Acadêmicos alemães pedem liberação do livro de Hitler

Obra na qual o ditador nazista expõe sua ideologia está banida no país até 2015

Historiadores querem publicar edição crítica de "Mein Kampf"; dirigente de conselho judaico aprova, mas autoridades vetam


SILVIA BITTENCOURT
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE HEIDELBERG (ALEMANHA)

Mais de 80 anos depois de ter sido escrito, o livro "Mein Kampf" ("Minha Luta"), do ditador nazista Adolf Hitler, volta a ocupar as páginas dos jornais alemães. Historiadores vêm reivindicando a liberação do livro, aqui proibido, com o objetivo de fazer e divulgar uma edição crítica do texto.
O livro, no qual Hitler expõe suas idéias anti-semitas, racistas e expansionistas, está proibido na Alemanha até 2015, quando serão completados 70 anos da morte do ditador (1889-1945). A partir dessa data, sua publicação está liberada.
Historiadores temem que, liberado, o livro caia nas mãos de neonazistas e se torne uma espécie de panfleto para organizações radicais de direita. Uma edição crítica, afirmam, chegaria antes aos leitores alemães.
A Baviera -Estado no sul do país onde Hitler viveu antes de subir ao poder- detém os direitos autorais. Ela proíbe a publicação integral do livro para impedir a propagação de idéias nazistas e a exploração comercial do texto do ditador.
Na opinião de várias autoridades alemãs, liberar "Mein Kampf" também seria um desrespeito aos milhões de vítimas do regime nazista. Mas os historiadores alegam que outros textos de Hitler, como documentos, cartas e discursos, já foram publicados em edições comentadas, sem obstáculos.
Além disso, qualquer internauta consegue achar a versão online de "Mein Kampf" na íntegra. Também não é difícil, aqui, adquirir o livro em antiquários, mesmo que isso aconteça por trás do balcão.
"Este livro está envolto por uma aura, que precisa ser quebrada", afirmou Stephan Kramer, secretário-geral do Conselho Central dos Judeus na Alemanha.

Maturidade
O escritor alemão Rafael Seligmann, que é judeu, também defende a liberação. "Nossa democracia é forte suficiente para não ter uma recaída. Liberar "Mein Kampf" é um sinal de maturidade política."
Apesar da proibição, o Instituto de História Contemporânea, em Munique, já vem preparando a edição revista do livro de Hitler. "Mas está totalmente indefinido quando ela será publicada", disse à Folha o historiador Udo Wengst.
Uma edição comentada deverá trazer os manuscritos do autor, correções, perfis, mapas e estatísticas. Ela deverá mostrar, por exemplo, que o então jovem nazista tirou grande parte das idéias de outros autores, "vendendo-as" como suas. Também deverá mostrar como assessores tentaram melhorar, ao longo das edições, o estilo repetitivo e confuso do ditador.
Os historiadores admitem que uma edição crítica de "Mein Kampf" sairá cara para o leitor comum. Uma possibilidade, dizem, é colocá-la à disposição na internet ou lançar no mercado uma versão crítica mais simplificada.
Hitler começou a escrever "Mein Kampf" em 1924, durante sua prisão na cidade de Landsberg, na Baviera, depois de liderar um golpe fracassado.
Publicado pela editora do Partido Nazista, o primeiro volume (1925) é uma espécie de autobiografia. No segundo (1927), Hitler formula sua ideologia racial e anuncia suas intenções de invadir outros países -o que acabou pondo em prática na Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Logo após a publicação, os dez mil exemplares iniciais de "Mein Kampf" venderam mal. Mas a partir de 1933, quando Hitler assumiu o poder, a vendagem do livro estourou, tornando seu autor milionário.
"Mein Kampf" foi, porém, um "best-seller forçado", como escreveu em artigo o historiador Bernd Soesemann, da Universidade Livre de Berlim.
Prefeituras e administrações regionais, por exemplo, eram obrigadas a financiar milhares de exemplares, para depois presenteá-los a jovens recém-casados. Hitler também recebia, com edições especiais e comemorativas, pelo menos 10% de honorário.
Mais de 12 milhões de exemplares de "Mein Kampf" foram impressos entre 1925 e 1945, quando a Alemanha perdeu a guerra e o livro passou a ser proibido. Ele foi traduzido em pelo menos 14 línguas. Temendo pela imagem da Alemanha, a Baviera tenta, há anos, impedir a publicação de "Mein Kampf" no exterior. No Brasil, a editora Centauro informa que só comercializará o livro a partir de 2015.


Texto Anterior: Ocidente vê petróleo caro como ameaça geopolítica
Próximo Texto: Tumulto em discoteca lotada mata 12 no México
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.