São Paulo, segunda-feira, 22 de junho de 2009

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ANÁLISE

País já esperou tempo demais para ser livre

ROGER COHEN
DO "NEW YORK TIMES", EM TEERÃ

O chefe de polícia iraniano, de uniforme verde, desce pelo beco Komak com os braços levantados e uma pequena tropa a seu lado. "Eu juro por Deus, eu tenho filhos, eu tenho uma mulher, não quero bater em ninguém. Por favor voltem para casa", grita ele aos manifestantes à sua frente.
Um homem atira uma pedra nele. O comandante, como se nada tivesse acontecido, continua a implorar. Há gritos de "unam-se a nós". A tropa recua em direção à rua da Revolução, onde multidões vão e vêm, confrontadas por milicianos portando cassetetes e policiais em motocicletas.
O líder supremo do Irã, Ali Khamenei, usou seu sermão na sexta para alertar que haveria "derramamento de sangue e caos" se os protestos contra a reeleição de Mahmoud Ahmadinejad continuassem.
Ele conseguiu as duas coisas no sábado -e viu a autoridade sacrossanta de seu cargo questionada como nunca antes desde a Revolução Islâmica de 1979.
Khamenei correu um risco radical. Ele tomou partido, perdendo a posição de árbitro imparcial, ao se alinhar com Ahmadinejad contra Mir Hossein Mousavi, líder da oposição.
Ele provocou milhões de iranianos ao elogiar o inédito nível de participação numa eleição que muitos agora veem como um golpe eleitoral. Ele ridicularizou a noção de que uma investigação sobre a votação pudesse levar a um resultado diferente.
A resposta popular foi inequívoca. É engraçado como a obsessão das pessoas volta para assombrá-las. Há tempos, ouço falar do temor de Khamenei de uma "revolução de veludo". Não houve nada de veludo nos confrontos de sábado. A demanda inicial contra a reeleição de Ahmadinejad se transformou em uma confrontação com o próprio regime.
Não sei aonde esses protestos levarão. Eu sei que alguns policiais estão hesitando. Aquele comandante falando sobre a sua família não estava sozinho. Havia outros policiais reclamando sobre os milicianos. Algumas forças de segurança simplesmente assistiram aos protestos.
Eu também sei que as mulheres iranianas estão na vanguarda dos protestos. Há dias, eu as vejo incentivarem os menos corajosos homens. "A ONU não pode nos ajudar?", uma delas me perguntou. Eu disse que duvidava. "Então estamos sozinhos", disse ela.
O mundo está assistindo, a tecnologia ajuda, e o Ocidente manda os sinais que pode, mas, no fim das contas, o que ela diz é verdade. Os iranianos travam essa batalha solitária há muito tempo: para ser livres e ter algum tipo de democracia.
Enquanto a noite de sábado caía sobre a capital, tiros podiam ser ouvidos a distância. E de telhados por toda a cidade, o grito de desafio "Deus é grande" se ouvia de novo, como vem acontecendo todas as noites desde a eleição. O mesmo grito foi ouvido em 1979, apenas para que uma forma de absolutismo cedesse a outra. O Irã já esperou tempo o bastante para se tornar livre.


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