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ARTIGO
Inquérito deve examinar também razões para a guerra
ROBIN COOK
ESPECIAL PARA O "INDEPENDENT"
Lorde Hutton foi intimado a fazer o impossível. Recebeu a incumbência de dirigir o inquérito
sobre os acontecimentos que conduziram à trágica morte do doutor David Kelly e, ao mesmo tempo, foi alertado para que não estudasse os acontecimentos que conduziram à guerra no Iraque.
Nenhum juiz, por mais eminente, poderia conduzir um estudo
completo e equilibrado das pressões que resultaram na morte de
Kelly e manter, ao mesmo tempo,
uma posição agnóstica entre as
reservas científicas expressadas
por Kelly e as alegações mais estridentes dos políticos.
O governo reconheceu que um
inquérito judicial deveria ser realizado, mas ainda se apega à esperança de que possa mantê-lo
constrito a limites estreitos. É preciso que reconheça o inevitável e
aceite os argumentos em favor de
um inquérito mais amplo.
O lamentável é que não o tenha
feito dois meses atrás, quando começou a se tornar evidente que
armas de destruição em massa
não estavam sendo localizadas.
Se o governo tivesse anunciado
um inquérito judicial no final de
maio, poderia merecidamente assumir o crédito por sua abertura e
pela disposição de esquadrinhar
até o fundo as razões que levaram
o Reino Unido à guerra com base
em uma avaliação de inteligência
que se provou falsa. Isso teria
igualmente evitado as acusações
gratuitas contra Kelly e as pressões malfazejas sobre ele.
Os piores escândalos políticos
derivam não do erro original, mas
das tentativas de negar e ocultar
que o erro tenha acontecido. No
caso, o governo optou por lançar
uma guerra candente contra a
BBC, para desviar a atenção do
verdadeiro problema: os motivos
para que tenha lançado sua guerra contra o Iraque.
Em lugar de ordenar um inquérito completo e independente, o
primeiro-ministro Tony Blair
passou os dois últimos meses afirmando, com aparente sinceridade, que todo o conteúdo do dossiê
de setembro era correto. A única
esperança que o governo tem de
restaurar sua credibilidade é
emergir de seu atual estado de negação e aceitar que parte das alegações feitas antes da guerra se
provou falsa.
Blair se aproximou de admitir
um erro, ainda que só no ambiente seguro e adulatório do Congresso norte-americano, mas se
limitou a usar o condicional: "Se
estivermos errados". Ele se recusa
a admitir ao público que pode ter
havido um erro, por medo da reação histérica de seus oponentes
políticos a uma admissão de erro
humano como essa.
E é nesse ponto que chegamos a
um problema fundamental de
nossa cultura política, a qual gerou o ambiente maligno no qual a
tragédia do doutor Kelly se desen-rolou. A política perdeu a capacidade de discutir questões de maneira racional e ponderada. Em
seu lugar, temos uma preocupação destrutiva com as personalidades e uma retórica de debate
que busca sensacionalizar e, portanto, exagera os conflitos em lugar de procurar o consenso.
Mas o verdadeiro problema é
que as pessoas comuns não infectam conversas cotidianas com o
tom agressivo e o ânimo desafiador que se tornou comum na política moderna. E isso se tornou
uma barreira entre o público e o
Parlamento porque as pessoas decentes simplesmente não se dirigem umas às outras da maneira
que os parlamentares se tratam na
Câmara dos Comuns.
E a mídia de massa é parte dessa
cultura destrutiva e sensacionalizante. Se Andrew Gilligan tivesse
escrito uma reportagem moderada informando que alguns especialistas tinham reservas sóbrias e
científicas sobre o dossiê de setembro, a história dos dois últimos meses teria sido diferente.
Mas optou por produzir uma
alegação de conspiração para iludir o público e temperar a história, que ele sabia atrairia os criadores de manchetes.
A BBC tampouco pode lavar as
mãos de sua responsabilidade,
porque recrutou e encorajou Gilligan a criar uma agenda noticiosa, em lugar de noticiar os fatos.
Um inquérito judicial é necessário tanto em relação à justificação
da guerra no Iraque quanto à
morte do doutor Kelly. Mas o Reino Unido também merece uma
cultura política mais respeitosa e
um padrão mais maduro de jornalismo político.
Robin Cook, 57, é membro do Parlamento pelo Partido Trabalhista. Foi ministro das Relações Exteriores durante o
primeiro mandato de Tony Blair (1997-2001) e líder do governo no Parlamento
de 2001 a 2003. Renunciou ao cargo em
março por discordar da participação do
Reino Unido na Guerra do Iraque.
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