São Paulo, sábado, 22 de julho de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

GUERRA NO ORIENTE MÉDIO

Suspensão de resgate revolta brasileiros

Operação que retiraria do vale do Bekaa 800 pessoas em 15 ônibus foi cancelada de última hora pela embaixada em Beirute

Segundo afirma Itamaraty, problema foi desistência de motoristas, motivada por falta de segurança; vôo que trará brasileiros é atrasado


MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A BEIRUTE

CLÁUDIA DIANNI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O cancelamento na última hora da operação de resgate de brasileiros do vale do Bekaa, área que vem sendo constantemente bombardeada por Israel, causou enorme decepção, mas o sentimento predominante é de revolta. As acusações ao governo brasileiro vão de incompetência a racismo.
O plano de levar cerca de 800 brasileiros em 15 ônibus na manhã de ontem estava de pé até a noite anterior, quando foi cancelado pelo Itamaraty. Segundo o cônsul-geral do Brasil em Beirute, Michael Gepp, a Chancelaria tomou a decisão por sugestão de "lideranças sírio-libanesas", que aconselharam o governo a deixar as despesas da retirada por conta da comunidade brasileira no Bekaa.
Preocupado com o custo de aluguel dos ônibus e com a hesitação dos motoristas sírios dos veículos em cruzar a fronteira com o Líbano, o conselheiro Felipe Goulart, da Embaixada do Brasil em Damasco, comunicou o cancelamento aos coordenadores do resgate a menos de 12 horas da partida.
Em Brasília, no entanto, o Itamaraty deu outra explicação. Disse que os motoristas contratados pela embaixada em Damasco desistiram da tarefa devido à falta de segurança. Segundo o embaixador Everton Vieira, o governo havia contratado 20 ônibus com 50 lugares cada um para levar brasileiros a Damasco, de onde seria organizado o retorno do grupo. Mas a estratégia foi prejudicada pelo recrudescimento dos bombardeios em Beirute. "Os motoristas disseram que seria uma operação de risco e decidiram não ir, mas estamos trabalhando em tempo integral e no limite da nossa capacidade".

Indignação
O comerciante santista Gihad Azanki, um dos organizadores do comboio, reagiu com indignação. "A "cúpula do mal" do Itamaraty cometeu uma crueldade enorme com pessoas em extrema necessidade", disse Azanki à Folha, por telefone, da cidade de Karaoun.
Estima-se que haja cerca de 6.000 cidadãos brasileiros na região do Bekaa, espalhados por 52 municípios. O cálculo é do paulistano Mohamad Abduni, vereador em um desses municípios, Sultan Yakob, o mesmo em que na última quarta morreu o empresário Dib Barakat, a sétima vítima brasileira dos ataques israelenses.
Abduni, que também ajudou a organizar a retirada dos brasileiros, contou que foi surpreendido tarde da noite por um telefonema do consulado em Beirute cancelando tudo. "Foi uma correria para avisar a todos que não haveria mais o resgate. O jeito foi usar os alto-falantes das mesquitas", diz.
A sensação é de abandono. "As pessoas estão chateadas com o descaso do Itamaraty. Não estamos em férias. É uma situação de guerra, numa região de risco, mas o governo parece que não percebeu."
Para Abduni, a situação dos civis é de completa impotência. "Estamos no fogo cruzado entre duas forças incontroláveis", diz o vereador, que pretende voltar ao Brasil definitivamente assim que possível, para escapar da violência. "O Hizbollah cometeu um erro e nós pagamos por ele. E Israel exerce seu direito de se defender sem pensar em pessoas indefesas."

Rumo à Turquia
De Beirute partiu um ônibus lotado na manhã de ontem. Além dos 48 passageiros que o veículo comporta, viajaram até Adana, na Turquia, seis crianças. Uma bandeira brasileira foi amarrada no teto do ônibus para que ele não fosse confundido com um alvo militar pelos caças de Israel. Aparentemente o artifício funcionou, pois ele chegou em segurança a seu destino, de onde os passageiros tentarão embarcar para Istambul e, de lá, para o Brasil.
O Itamaraty mudou a data de saída de Adana de um dos vôos da FAB. O "Sucatão", avião de 150 lugares que decolaria na terça para São Paulo, sairá na quarta. Na quinta, outro avião trará mais 80 passageiros. Os dois aviões ainda voarão no domingo e na segunda, transportando ao todo 460 pessoas.
A Varig ofereceu um avião, mas a empresa ainda precisa convencer um arrendador a liberar uma aeronave. Segundo Vieira, outras companhias internacionais ofertaram ajuda.
De acordo com o embaixador, o governo também considera a possibilidade de contratar embarcações, o que não resolve, porém, o problema dos que estão no vale do Bekaa, região isolada por montanhas.


Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: Lula se diz "chocado" com escalada
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.