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GUERRA NO ORIENTE MÉDIO
Suspensão de resgate revolta brasileiros
Operação que retiraria do vale do Bekaa 800 pessoas em 15 ônibus foi cancelada de última hora pela embaixada em Beirute
Segundo afirma Itamaraty, problema foi desistência de motoristas, motivada por falta de segurança; vôo que
trará brasileiros é atrasado
MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A BEIRUTE
CLÁUDIA DIANNI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O cancelamento na última
hora da operação de resgate de
brasileiros do vale do Bekaa,
área que vem sendo constantemente bombardeada por Israel,
causou enorme decepção, mas
o sentimento predominante é
de revolta. As acusações ao governo brasileiro vão de incompetência a racismo.
O plano de levar cerca de 800
brasileiros em 15 ônibus na manhã de ontem estava de pé até a
noite anterior, quando foi cancelado pelo Itamaraty. Segundo o cônsul-geral do Brasil em
Beirute, Michael Gepp, a Chancelaria tomou a decisão por sugestão de "lideranças sírio-libanesas", que aconselharam o governo a deixar as despesas da
retirada por conta da comunidade brasileira no Bekaa.
Preocupado com o custo de
aluguel dos ônibus e com a hesitação dos motoristas sírios
dos veículos em cruzar a fronteira com o Líbano, o conselheiro Felipe Goulart, da Embaixada do Brasil em Damasco,
comunicou o cancelamento aos
coordenadores do resgate a
menos de 12 horas da partida.
Em Brasília, no entanto, o
Itamaraty deu outra explicação. Disse que os motoristas
contratados pela embaixada
em Damasco desistiram da tarefa devido à falta de segurança.
Segundo o embaixador Everton Vieira, o governo havia contratado 20 ônibus com 50 lugares cada um para levar brasileiros a Damasco, de onde seria
organizado o retorno do grupo.
Mas a estratégia foi prejudicada pelo recrudescimento dos
bombardeios em Beirute. "Os
motoristas disseram que seria
uma operação de risco e decidiram não ir, mas estamos trabalhando em tempo integral e no
limite da nossa capacidade".
Indignação
O comerciante santista Gihad Azanki, um dos organizadores do comboio, reagiu com
indignação. "A "cúpula do mal"
do Itamaraty cometeu uma
crueldade enorme com pessoas
em extrema necessidade", disse Azanki à Folha, por telefone,
da cidade de Karaoun.
Estima-se que haja cerca de
6.000 cidadãos brasileiros na
região do Bekaa, espalhados
por 52 municípios. O cálculo é
do paulistano Mohamad Abduni, vereador em um desses municípios, Sultan Yakob, o mesmo em que na última quarta
morreu o empresário Dib Barakat, a sétima vítima brasileira
dos ataques israelenses.
Abduni, que também ajudou
a organizar a retirada dos brasileiros, contou que foi surpreendido tarde da noite por
um telefonema do consulado
em Beirute cancelando tudo.
"Foi uma correria para avisar a
todos que não haveria mais o
resgate. O jeito foi usar os alto-falantes das mesquitas", diz.
A sensação é de abandono.
"As pessoas estão chateadas
com o descaso do Itamaraty.
Não estamos em férias. É uma
situação de guerra, numa região de risco, mas o governo parece que não percebeu."
Para Abduni, a situação dos
civis é de completa impotência.
"Estamos no fogo cruzado entre duas forças incontroláveis",
diz o vereador, que pretende
voltar ao Brasil definitivamente assim que possível, para escapar da violência. "O Hizbollah cometeu um erro e nós pagamos por ele. E Israel exerce
seu direito de se defender sem
pensar em pessoas indefesas."
Rumo à Turquia
De Beirute partiu um ônibus
lotado na manhã de ontem.
Além dos 48 passageiros que o
veículo comporta, viajaram até
Adana, na Turquia, seis crianças. Uma bandeira brasileira foi
amarrada no teto do ônibus para que ele não fosse confundido
com um alvo militar pelos caças
de Israel. Aparentemente o artifício funcionou, pois ele chegou em segurança a seu destino, de onde os passageiros tentarão embarcar para Istambul
e, de lá, para o Brasil.
O Itamaraty mudou a data de
saída de Adana de um dos vôos
da FAB. O "Sucatão", avião de
150 lugares que decolaria na
terça para São Paulo, sairá na
quarta. Na quinta, outro avião
trará mais 80 passageiros. Os
dois aviões ainda voarão no domingo e na segunda, transportando ao todo 460 pessoas.
A Varig ofereceu um avião,
mas a empresa ainda precisa
convencer um arrendador a liberar uma aeronave. Segundo
Vieira, outras companhias internacionais ofertaram ajuda.
De acordo com o embaixador, o governo também considera a possibilidade de contratar embarcações, o que não resolve, porém, o problema dos
que estão no vale do Bekaa, região isolada por montanhas.
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