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No voto, Turquia testa nó islã-democracia
Mais de 40 milhões de turcos devem ir hoje às urnas renovar Legislativo; partido do premiê islâmico moderado é favorito
Crescimento econômico alimenta apoio ao AK, mas militares e União Européia ainda desconfiam; crise com secularistas deve ressurgir
Osman Orsal-17.jul.2007/Reuters
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Turcas na Mesquita Azul
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
O grande ponto de interrogação sobre as eleições de hoje na
Turquia não é sobre quem vai
ganhar, mas sobre qual o teor
de islamismo do ganhador. Ou,
mais exatamente, qual a percepção externa, em especial na
Europa, sobre o grau de islamismo do AK (Partido da Justiça e Desenvolvimento), no poder desde novembro de 2002.
As pesquisas e as análises dos
observadores internos e externos apontam todas para uma
nova vitória do AK. A única incerteza é sobre o tamanho da
vitória, se igual ou maior do que
na última eleição, quando o AK
ficou com dois terços das 550
cadeiras do Parlamento, graças
a uma peculiaridade da lei turca: só conseguem vagas no Legislativo partidos que superem
10% dos votos. Assim, o AK,
com apenas um terço dos votos,
levou dois terços das vagas.
Grenville Byford, do Programa de Estudos do Cáspio do
Centro Belfer para a Ciência e
os Assuntos Internacionais,
prevê que, agora, o AK "provavelmente obterá de 40% a 42%
dos votos, resultado inédito no
último quarto de século".
Não é o que diz a pesquisa
mais recente, do Centro de Estudos Políticos "Verso": atribui
ao AK 38% dos votos, o que não
deixa de ser um aumento sobre
os 34% de 2002, mas que pode
lhe dar menos cadeiras porque
um terceiro partido superaria a
barreira dos 10% (o Partido de
Ação Nacional ficaria com 14%,
enquanto a principal coalizão
oposicionista teria 20%).
Votos mais, votos menos, caberá sem dúvida ao AK formar
o novo governo. O que recoloca
a discussão sobre o teor de islamismo do partido e de seu principal líder, o primeiro-ministro
Recep Tayyp Erdogan.
Crise adiada
Foi esse debate que levou à
antecipação do pleito legislativo de novembro para julho. Erdogan indicou para a Presidência da República, um cargo menos decorativo do que o habitual no parlamentarismo clássico, seu chanceler Abdullah
Gül, islamita como ele. Substituiria Ahmet Necdet Sezer, um
leigo na melhor tradição do laicismo de Kemal Ataturk, fundador da Turquia moderna.
O Exército, em inusual mensagem no seu endereço na internet, vetou a indicação,
abrindo uma crise que levou
Erdogan a convocar eleições
antecipadas e a propor votação
direta para eleger o presidente,
hoje uma tarefa do Congresso.
Como Erdogan deve vencer
de novo, a crise adiada tende a
reaparecer, pois há forte resistência de setores tidos como
modernos a uma suposta islamização, mas há, igualmente,
apoio forte ao islamismo moderado do premiê e seu partido.
Mais: Erdogan fez do ingresso na União Européia uma
aposta fortíssima. Um país que
seja visto como excessivamente islamizado não teria lugar
em uma Europa que se tornou
temerosa e até preconceituosa
em relação ao islamismo. O novo presidente francês, Nicolas
Sarkozy, aliás, já disse que a
Turquia não cabe na Europa.
Daí a importância de se entender o teor de islamismo do
AK e/ou a percepção que dele
se tem fora da Turquia.
Grenville Byford, do Centro
Belfer, é definitivo: "Conheço
Erdogan, Gül e seus amigos
bem o suficiente para dizer que
realmente estão comprometidos com a democracia e os direitos humanos. Eles são freqüentemente descritos como tendo raízes islâmicas, o que é
verdade, mas seus apoiadores
são os homens de negócio da
região da Anatólia, que cresceram quando a economia foi
aberta nos anos 80. Socialmente conservadores, tradicionalmente (mas não militantemente) muçulmanos e absolutamente convencidos das virtudes da economia de mercado,
imprimiram sua marca ao AK".
Reforça um dos mais respeitados acadêmicos norte-americanos, Joseph Nye (Escola
Kennedy de Governo, Harvard): "O AK tem um histórico
admirável no que toca a crescimento econômico, legislação
sobre direitos humanos e melhoria no tratamento dado à
minoria curda na Turquia".
Política à parte, o crescimento econômico turco é certamente o fator de maior peso na
vitória do governo: o país cresceu "chineses" 33% desde que o
AK chegou ao poder. Só no primeiro trimestre deste ano, o
crescimento foi de 6,8%.
Já Jerónimo Páez López, do
centro espanhol "El Andalusí"
(a Andaluzia é uma parte da Espanha que os radicais islâmicos
reivindicam), prefere matizar.
Escreve no "El País": "Não parece que o governo Erdogan tenha representado uma grave
ameaça às liberdades públicas
e, sem dúvida, ofereceu estabilidade e crescimento econômico. Mas não manteve uma atitude tão neutra e moderna como alguns querem fazer crer.
Seu partido propôs reformas
constitucionais preocupantes
e, segundo a oposição, está introduzindo uma série de reformas educativas para reforçar a
islamização da sociedade".
Tudo somado, parece claro
que a eleição de hoje e seus desdobramentos próximos são um
extraordinário laboratório para o que Nye vê como "demonstração de que a democracia liberal e o islã são compatíveis".
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