São Paulo, sexta-feira, 22 de julho de 2011

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ANÁLISE

Como dizia Perón, a realidade enfim impõe-se como verdade

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

O general Juan Domingo Perón, três vezes presidente da Argentina e exímio frasista, cunhou a expressão "a realidade é a única verdade".
Os líderes europeus, que certamente desconhecem Perón por completo, acabaram no entanto adotando ontem, finalmente, a sua frase, depois de insuportável e custosa indefinição.
A realidade da crise europeia é fácil de enunciar: a Grécia não tinha a mais remota condição de pagar a sua dívida (€ 355 bilhões ou 160% de seu PIB), no montante e com os juros que vinham sendo cobrados tanto pelos credores privados como pelas próprias instituições multilaterais, que emprestaram € 110 bilhões faz um ano.
Ontem, por fim, a União Europeia transformou essa realidade em verdade oficial: o novo socorro à Grécia será feito em condições que tornem sustentável a sua dívida. Caem os juros, estica-se o prazo para o pagamento e aplica-se o tal "hair cut", o mais novo jargão para algum tipo de calote.
Segunda realidade ontem erigida em verdade: era politicamente insuportável isentar a banca de contribuir para aliviar a crise -crise, de resto, gerada em grande medida pela própria banca, com seus empréstimos irresponsáveis a tomadores tão irresponsáveis quanto, mas que eram os únicos que vinham pagando a conta da irresponsabilidade.
Note-se que a contribuição do setor financeiro é bem inferior à que os governos deram aos bancos para evitar a quebra, na crise de 2008: no total e no ato, injetaram diretamente nas veias do sistema € 311,4 bilhões, sem contar as ajudas indiretas que podem elevar a conta para além do trilhão.
Já a banca contribuirá agora com apenas € 135 bilhões -assim mesmo, em 30 anos.
Terceira realidade transformada em verdade ontem: sem crescer, a Grécia continuaria vivendo uma crise indefinidamente. A UE decidiu ontem adotar uma espécie de Plano Marshall para a Grécia, alusão ao pacotão que foi um passo decisivo para tirar a Europa dos escombros em que fora deixada pela Segunda Guerra.
Se vai dar certo de novo, é uma questão que ainda continua em aberto. Como aberto fica entender por que a Europa demorou tanto em aceitar a realidade como a única verdade.


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