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São Paulo, sexta-feira, 22 de agosto de 2003

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Iraque atrai terror, dizem analistas

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

O terrorismo é a "maior ameaça" aos esforços americanos de reconstrução do Iraque, de acordo com o general John Abizaid, chefe do Comando Central dos EUA. Ele disse que membros do grupo terrorista Ansar al Islam, ligado à Al Qaeda, são ativos na região de Bagdá e que "extremistas estrangeiros" também participam da resistência armada iraquiana.
Como o Afeganistão se tornou um ímã para extremistas islâmicos na década de 80, que lutavam para expulsar os invasores soviéticos, o Iraque vem atraindo, nos últimos dois meses, um número considerável de jovens muçulmanos dispostos a perder a vida para combater os "infiéis", segundo especialistas ouvidos pela Folha.
"O Iraque transformou-se em um ímã para os radicais que querem resistir aos valores ocidentais a qualquer custo e o ponto de convergência das teorias extremistas que preconizam um confronto entre o islã e a democracia", avaliou Davis Bobrow, do Centro Ridgway para Estudos sobre Segurança Internacional (EUA).
"Existindo esse sentimento generalizado contrário ao Ocidente em uma parte significativa da oposição armada iraquiana, um ataque como o que devastou a sede da ONU em Bagdá passa a ser legítimo, visto que a ela apóia os esforços liderados pelos EUA. Todavia também há iraquianos que, simplesmente, são contrários à ocupação e simpatizantes de Saddam Hussein que fazem parte da resistência", acrescentou.
Os fatos corroboram a preocupação de Abizaid. Há duas semanas, um grupo de combatentes do Ansar al Islam foi detido na região curda do Iraque, perto do Irã. Entre eles havia cinco iraquianos, um palestino e um tunisiano. Segundo Dana Ahmed Majid, chefe de segurança da região, eles tinham cinco passaportes italianos entre seus pertences, que deveriam ser entregues a extremistas que já estavam no Iraque.
"O Ansar al Islam sempre tirou vantagem das péssimas relações entre o Irã e o Iraque, recebendo ajuda dos radicais iranianos, como o aiatolá Ali Khamenei [líder supremo do país]. Eles não querem que uma dinâmica positiva se instale no Iraque, pois ela poderia atravessar a fronteira e ameaçar seu controle sobre a população iraniana", analisou Antoine Basbous, diretor do Observatório dos Países Árabes (França).
"Contudo há radicais islâmicos de outros países que também atuam no Iraque. Há sauditas, iemenitas, sírios etc. Para os jordanianos, a situação é mais complexa, já que seu governo é mais estrito no controle das fronteiras."
Antes da Guerra do Iraque, o Ansar al Islam contava, de acordo com especialistas, com cerca de 850 membros. Por volta de 200 foram mortos em combates com os EUA, cerca de 300 foram presos, e o restante fugiu para o Irã. Crê-se que mais de 150 já tenham voltado ao Iraque pela fronteira iraniana.
Outro aspecto que preocupa a coalizão anglo-americana é o fato de a resistência armada iraquiana combinar radicais islâmicos com terroristas. "Eles se misturam com a população", disse Bobrow.
Para Christophe Jaffrelot, diretor do Centro de Estudos e de Pesquisas Internacionais (França), isso reflete o que ocorre no norte do Paquistão em maior escala. "Nas Províncias paquistanesas da Fronteira Noroeste e do Baluquistão, as mesmas pessoas que frequentam as madrassas [escolas religiosas muçulmanas] são bombardeadas com idéias anti-Ocidente nas ruas e têm contato com terroristas ligados à Al Qaeda. Ficou difícil separar as coisas."
Contudo a veleidade dos radicais islâmicos de transformar o Iraque no Afeganistão dos anos 80 encontrará um obstáculo vital: a inexistência da confrontação bipolar da Guerra Fria. "Havia duas grandes potências, sendo que uma [os EUA] estava alinhada aos mujahidin para combater a outra [a URSS]", indicou Basbous.
De fato, durante a Guerra do Afeganistão (1979-1989), os EUA chegaram a dar bilhões de dólares aos muçulmanos que enfrentavam os soviéticos. Desta vez, os extremistas terão muito mais dificuldade em obter fundos.


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