São Paulo, sexta-feira, 22 de agosto de 2008

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Parentes culpam empresa por queda de avião

Passageiro enviou ao filho mensagem por celular na qual relata falha no motor esquerdo e diz que piloto não queria decolar

Spanair admite alerta de aquecimento, mas diz que revisão liberou o MD-82 para iniciar vôo; governo ainda não aponta culpados

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MADRI

O dia seguinte ao acidente com o avião da Spanair que matou 153 pessoas no aeroporto madrilenho de Barajas lembra a discussão que se seguiu à queda de um avião da TAM em Congonhas (SP), faz 13 meses.
Com uma diferença essencial: enquanto no Brasil dedos acusadores se levantaram contra a companhia, contra o piloto, contra o estado da pista, contra a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) e contra a Infraero (pelas obras no aeroporto pouco antes), em Madri todas as suspeitas se voltam só contra a companhia aérea.
Suspeitas reforçadas ao extremo pela informação que Donovan Rubén Santana, filho de um dos mortos, deu à rádio "Ser": o pai enviou SMS (mensagem de texto por celular) à mulher, dizendo: "Querida, te quero, mas o avião está avariado. Pedi para que me mudem de vôo mas estamos esperando". Num segundo SMS, pouco depois, o pai de Donovan dizia que o motor esquerdo falhava, informação dada pelo piloto, que, sempre segundo a mensagem, "não queria decolar".
"Minutos depois da mensagem, aconteceu o que aconteceu. Ainda não acredito", contou Donovan ontem.
O motor esquerdo foi exatamente o que explodiu quando o piloto começava a tirar do solo o avião MD-82 (McDonnell Douglas), que faria o vôo JK 5022, de Madri a Las Palmas, capital das ilhas Canárias.
O principal elemento que atrai dedos acusadores para a companhia é o fato de o aparelho ter sido levado para verificação quando já estava se preparando para decolar, cerca de uma hora antes da decolagem que não se completou.
Ontem, Javier Mendoza, porta-voz da Spanair, confirmou que houve superaquecimento de uma peça da frente do avião, logo abaixo da cabine do piloto. Mas disse que, depois de uma breve revisão, o avião foi liberado para voar. Mendoza usou uma palavra que deixa margem para dúvidas: disse que o problema fora "isolado", o que não quer dizer que foi necessariamente eliminado.
De todo modo, segundo a companhia, não há relação entre o aquecimento de uma peça num momento e a explosão/ queda no seguinte. Como é natural, os parentes das vítimas não acreditam, tanto que um deles, um subinspetor de Polícia, cobrou do presidente do governo José Luis Rodríguez Zapatero: "Como é possível deixar voar um avião depois de se detectar uma anomalia?"
A cobrança foi feita quando Zapatero visitava feridos no hospital La Paz. Zapatero não tem resposta, como é óbvio. Limitou-se a dizer o que todas as autoridades dizem nessas ocasiões: as investigações sobre o ocorrido serão "exaustivas, rigorosas e totais".

Outras hipóteses
As demais hipóteses que poderiam demonstrar responsabilidade da Spanair não prosperaram.
Excesso de trabalho da tripulação do vôo acidentado? Não, diz Jordi Mauri, presidente do comitê de empregados da Spanair. "Há apenas o excesso de trabalho normal do verão."
Falta de qualificação do piloto? Não, segundo o Sindicato Espanhol de Pilotos de Linhas Aéreas. Tanto o piloto como o copiloto estavam "perfeitamente qualificados e tinham muita experiência".
Ainda assim, a suspeita contra a Spanair ficou estampada na manchete do matutino "El Mundo", crítico feroz e nem sempre responsável do governo socialista de José Luis Rodríguez Zapatero: "A crise da Spanair desemboca em uma tragédia com 153 mortos". Desta vez, poupou o governo.
Não há nenhum elemento até agora que permita atribuir o desastre a uma falha da empresa e muito menos ainda à crise que ela vive já faz algum tempo, tanto que a Spanair quis vendê-la para a também espanhola Iberia, mas não houve acordo.

Resgate termina
Só ontem terminou o trabalho de resgate dos corpos, com a recuperação de um bebê e um adulto. Para os familiares, no entanto, o drama se prolonga e se acentua porque o Instituto Anatômico Forense de Madri informou que só é possível identificar pelas impressões digitais 59 das 153 vítimas (49 o haviam sido até ontem).
Os restantes 94 corpos estão tão carbonizados que só exames de DNA permitirão a identificação. Entre as vítimas há cinco alemães, dois franceses, um mauritano, um turco, um búlgaro, um gambiano, um italiano e um indonésio, além do brasileiro Ronaldo Gomes Silva (ver texto abaixo).


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