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Parentes culpam empresa por queda de avião
Passageiro enviou ao filho mensagem por celular na qual relata falha no motor esquerdo e diz que piloto não queria decolar
Spanair admite alerta de aquecimento, mas diz que revisão liberou o MD-82 para iniciar vôo; governo ainda não aponta culpados
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MADRI
O dia seguinte ao acidente
com o avião da Spanair que matou 153 pessoas no aeroporto
madrilenho de Barajas lembra
a discussão que se seguiu à queda de um avião da TAM em
Congonhas (SP), faz 13 meses.
Com uma diferença essencial: enquanto no Brasil dedos
acusadores se levantaram contra a companhia, contra o piloto, contra o estado da pista,
contra a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) e contra a
Infraero (pelas obras no aeroporto pouco antes), em Madri
todas as suspeitas se voltam só
contra a companhia aérea.
Suspeitas reforçadas ao extremo pela informação que Donovan Rubén Santana, filho de
um dos mortos, deu à rádio
"Ser": o pai enviou SMS (mensagem de texto por celular) à
mulher, dizendo: "Querida, te
quero, mas o avião está avariado. Pedi para que me mudem
de vôo mas estamos esperando". Num segundo SMS, pouco
depois, o pai de Donovan dizia
que o motor esquerdo falhava,
informação dada pelo piloto,
que, sempre segundo a mensagem, "não queria decolar".
"Minutos depois da mensagem, aconteceu o que aconteceu. Ainda não acredito", contou Donovan ontem.
O motor esquerdo foi exatamente o que explodiu quando o
piloto começava a tirar do solo
o avião MD-82 (McDonnell
Douglas), que faria o vôo JK
5022, de Madri a Las Palmas,
capital das ilhas Canárias.
O principal elemento que
atrai dedos acusadores para a
companhia é o fato de o aparelho ter sido levado para verificação quando já estava se preparando para decolar, cerca de
uma hora antes da decolagem
que não se completou.
Ontem, Javier Mendoza,
porta-voz da Spanair, confirmou que houve superaquecimento de uma peça da frente
do avião, logo abaixo da cabine
do piloto. Mas disse que, depois
de uma breve revisão, o avião
foi liberado para voar. Mendoza usou uma palavra que deixa
margem para dúvidas: disse
que o problema fora "isolado",
o que não quer dizer que foi necessariamente eliminado.
De todo modo, segundo a
companhia, não há relação entre o aquecimento de uma peça
num momento e a explosão/
queda no seguinte. Como é natural, os parentes das vítimas
não acreditam, tanto que um
deles, um subinspetor de Polícia, cobrou do presidente do
governo José Luis Rodríguez
Zapatero: "Como é possível
deixar voar um avião depois de
se detectar uma anomalia?"
A cobrança foi feita quando
Zapatero visitava feridos no
hospital La Paz. Zapatero não
tem resposta, como é óbvio. Limitou-se a dizer o que todas as
autoridades dizem nessas ocasiões: as investigações sobre o
ocorrido serão "exaustivas, rigorosas e totais".
Outras hipóteses
As demais hipóteses que poderiam demonstrar responsabilidade da Spanair não prosperaram.
Excesso de trabalho da tripulação do vôo acidentado? Não,
diz Jordi Mauri, presidente do
comitê de empregados da Spanair. "Há apenas o excesso de
trabalho normal do verão."
Falta de qualificação do piloto? Não, segundo o Sindicato
Espanhol de Pilotos de Linhas
Aéreas. Tanto o piloto como o
copiloto estavam "perfeitamente qualificados e tinham
muita experiência".
Ainda assim, a suspeita contra a Spanair ficou estampada
na manchete do matutino "El
Mundo", crítico feroz e nem
sempre responsável do governo socialista de José Luis Rodríguez Zapatero: "A crise da
Spanair desemboca em uma
tragédia com 153 mortos". Desta vez, poupou o governo.
Não há nenhum elemento
até agora que permita atribuir o
desastre a uma falha da empresa e muito menos ainda à crise
que ela vive já faz algum tempo,
tanto que a Spanair quis vendê-la para a também espanhola
Iberia, mas não houve acordo.
Resgate termina
Só ontem terminou o trabalho de resgate dos corpos, com
a recuperação de um bebê e um
adulto. Para os familiares, no
entanto, o drama se prolonga e
se acentua porque o Instituto
Anatômico Forense de Madri
informou que só é possível
identificar pelas impressões digitais 59 das 153 vítimas (49 o
haviam sido até ontem).
Os restantes 94 corpos estão
tão carbonizados que só exames de DNA permitirão a identificação. Entre as vítimas há
cinco alemães, dois franceses,
um mauritano, um turco, um
búlgaro, um gambiano, um italiano e um indonésio, além do
brasileiro Ronaldo Gomes Silva
(ver texto abaixo).
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