São Paulo, sábado, 22 de agosto de 2009

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Presidente afegão e opositor cantam vitória

Resultados oficiais da eleição só saem em 17 de setembro; denúncias de fraudes podem desencadear conflito político no país

Alta abstenção em áreas onde Taleban tem atuação mais forte em tese reduzem as chances de vitória no 1º turno de atual mandatário


IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL A CABUL

Com dois candidatos cantando vitória e uma enxurrada de denúncias de fraudes, o clima político no dia seguinte à eleição presidencial do Afeganistão aproximou-se um pouco do cenário mais temido pelo Ocidente: o de um conflito político que possa sair de controle.
A reação veio da Comissão Eleitoral Independente, que tentou esfriar os ânimos, dizendo que nenhum dado até aqui é confiável, já que os votos apurados em 30 das 34 Províncias afegãs terão de ser checados para detecção eventual de fraudes em Cabul.
"Apenas no dia 25 teremos dados primários, que serão atualizados até o dia 3 de setembro. Enquanto isso, todas as queixas serão apuradas, e o resultado final sairá em 17 de setembro, se tudo der certo", afirmou o número dois da comissão, Daud Ali Najafi.
Numa confusa entrevista, Najafi negou os dados que a própria comissão havia divulgado, de que o comparecimento havia ficado na casa dos 40% a 50% dos 15,6 milhões de eleitores registrados.
Enquanto isso, os comitês do presidente-candidato Hamid Karzai e de seu principal opositor na disputa, Abdullah Abdullah, afirmaram que tinham ganho a eleição.
"Posso dizer que ganhamos no primeiro turno, mas vamos esperar os dados", disse à Folha Walid Umar, porta-voz do comitê de Karzai. O mesmo foi ouvido de Fazel Sangcharaki, do time de Abdullah: "Tivemos mais de 60% dos votos".
Ambos se baseiam em dados recolhidos pelos seus observadores, e é impossível saber se alguém fala a verdade. O que a ONU e a Comissão Eleitoral afirmam é que houve, sim, uma alta abstenção em vários locais, em especial no sul e no leste do país -as áreas de maior atuação do Taleban, que tentou abortar o pleito.
O Taleban foi bem-sucedido, se os dados até aqui comentados forem verdadeiros, em afastar eleitores. Em 2004, sem oposição do grupo, houve 70% de comparecimento. Mas os extremistas fracassaram em transformar o pleito em um banho de sangue, inviabilizado devido à violência, embora às 26 pessoas mortas anunciadas anteontem tenham sido somados 11 trabalhadores da eleição.
Em Helmand, Província do sul em que ocorrem os principais combates no país, oficiais eleitorais disseram à imprensa local que apenas 50 mil dos 650 mil eleitores compareceram.
Em princípio isso pode afetar mais Karzai, que é da etnia majoritária nessas áreas, a pashtun. Mas, segundo seus adversários, a principal modalidade de fraude pró-governo ocorreu nesses locais menos vigiados por observadores: votos falsos enchendo urnas.
Em outras áreas consideradas mais seguras, contudo, também houve problemas.
"Aqui as pessoas simplesmente não quiseram sair de casa", disse por telefone Mohammad, o responsável pelo pleito em Nataban, na Província de Parwan (norte de Cabul). Lá, dos 1.800 registrados, apenas 150 votaram.
Os verdadeiros patrocinadores do pleito, os EUA, também desqualificaram especulações. "Eu não ficaria surpreso se visse candidatos reinvidicando vitória e apontando fraudes", disse o enviado americano à região, Richard Holbrooke, segundo a agência Reuters.
Ele esteve em Cabul e disse que o governo americano é "agnóstico" sobre resultados extraoficiais. Também reiterou os pedidos da ONU para que eventuais rivais de segundo turno não transformem a disputa num embate étnico -Abdullah, ainda que tenha pai pashtun, é um expoente da etnia tadjique.
Esse conflito, adicionado ao fato de que Karzai tem ao seu lado violentos senhores da guerra, como o uzbeque Abdul Rashid Dostum, dá tintas de pesadelo ao cenário de conflito. A Comissão Eleitoral convidou os candidatos para discutir o processo de apuração e de queixas hoje, numa reunião que visa acalmar a situação.


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