São Paulo, segunda-feira, 22 de agosto de 2011

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OPINIÃO

Trípoli deixa Brasil do lado errado da história

Governo Dilma desaproveitou oportunidade de acertar na votação da ONU sobre exclusão aérea do território líbio


DERRUBAR UM TIRANO É SEMPRE UM ACONTECIMENTO POSITIVO, A MENOS, É ÓBVIO, QUE ELE SEJA SUBSTITUÍDO POR OUTRO

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

O cerco a Trípoli deixa o Brasil definitivamente "no lado errado da história", para usar recorrente expressão do presidente Barack Obama durante a turbulência nos países árabes.
O governo brasileiro teve a oportunidade de acertar o lado quando as Nações Unidas votaram resolução propondo a zona de exclusão aérea sobre o território líbio.
Por que era o lado certo? Porque as forças de Gaddafi estavam prestes a retomar Benghazi, a capital dos rebeldes, e promover um banho de sangue, previamente anunciado.
Para um governo cuja chefe prometera colocar os direitos humanos no centro de sua política externa, nada seria mais coerente do que prevenir um banho de sangue, o que de fato foi conseguido com a zona de exclusão aérea.
Ainda mais que a resolução, ao contrário do que ocorreu com a invasão do Iraque, em 2003, seguira estritamente os cânones da comunidade internacional.
Se a ONU não serve para impedir um massacre, para que serviria?
O que não estava explícito na resolução era a derrubada de Gaddafi, embora ficasse evidente que a ação militar não poderia limitar-se a proteger os rebeldes. Teria que empurrá-los até Trípoli, como está acontecendo agora.
O Brasil escudou-se no respeito à soberania para reclamar da ação militar em seu aspecto apenas implícito, que era, como continua sendo, derrubar Gaddafi e, se possível, entregá-lo ao Tribunal Penal Internacional de Haia (propósito contraditoriamente apoiado pelo governo brasileiro, ao votar a favor de sanções, em resolução anterior à zona de exclusão aérea).
Derrubar um tirano é sempre um acontecimento positivo, a menos, como é óbvio, que ele seja substituído por outro. Aí é que o Brasil, por isolar-se do Ocidente, permanece do lado errado: tem pouca ou nenhuma chance de influir no sentido de evitar que a Líbia saia da paz dos cemitérios imposta por Gaddafi para um tumulto parecido ao do Iraque pós-Saddam Hussein.
O desafio, se e quando Gaddafi cair, será talvez ainda maior do que defenestrar o ditador, como aponta o sítio de estratégia Stratfor: "O imediato pós-guerra trará sérios riscos tanto para os líbios como para a comunidade internacional".
Lista não exaustiva de riscos: "Uma transição fracassada para um novo regime poderia pôr em perigo a segurança e o bem-estar em uma Líbia pós-Gaddafi, desacreditar a intervenção da Otan, fornecer abrigo seguro a terroristas internacionais, conduzir a uma nova ditadura, e até fraturar o país".
Não é um desafio trivial, como se vê, mas o Brasil preferiu, lá atrás, a paz dos cemitérios aos riscos inerentes ao lado certo da história.


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