São Paulo, domingo, 22 de setembro de 2002

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ELEIÇÕES

Disputa entre o chanceler Schröder (centro-esquerda) e o conservador Stoiber é a mais acirrada desde os anos 80

Sem favorito, Alemanha vai hoje às urnas

MÁRCIO SENNE DE MORAES
ENVIADO ESPECIAL A BERLIM

Necessitando urgentemente de reformas estruturais para dinamizar sua economia, dividida quanto à posição do chanceler (premiê) social-democrata Gerhard Schröder, que busca a reeleição, sobre um possível ataque ao Iraque para depor o ditador Saddam Hussein e lutando para deter a onda de centro-direita e de direita que toma conta da Europa recentemente, a Alemanha vai às urnas hoje sem favorito.
Há duas décadas, o país não tinha uma disputa tão acirrada pela Chancelaria. Edmund Stoiber, candidato pela aliança conservadora formada pela União Democrata Cristã (CDU) e pela União Social Cristã (CSU), parecia ter a eleição definida a seu favor até o início de agosto, tirando proveito, entre outros fatores, do fraco balanço econômico da atual administração, que não conseguiu reduzir o número de desempregados para 3,5 milhões -conforme prometeu Schröder em 1998.
Todavia, um "fato novo" deu novo alento ao Partido Social-Democrata. Analistas ouvidos pela Folha foram unânimes em dizer que a catástrofe ambiental causada pelas inundações que atingiram sobretudo o leste do país foi um ponto de inflexão na campanha, embora ressaltem que outros fatores favoreceram Schröder.
"Como chefe de governo, ele se encontrava na posição ideal para tirar proveito político do ocorrido, pois podia liberar verbas e mostrar liderança na administração da crise. E o modo como ele o fez foi muito bem-visto pela população", analisou Manfred Nitsch, professor na Universidade Livre de Berlim. "Contudo isso não seria suficiente para explicar a mudança de tendência observada nas últimas semanas. Inúmeros fatores contribuíram para a volta do SPD à disputa, como a perda de força do PDS [Partido do Socialismo Democrático" após a saída de seu principal expoente, Gregor Gysi, do governo de Berlim, o que enfraqueceu o partido no leste, e a personalização da campanha, já que o chanceler é mais "simpático" que seu oponente."
Stoiber, governador da abastada Baviera, apostava tudo no balanço econômico de seu Estado para conquistar o eleitorado, cuja maior preocupação, de acordo com pesquisas recentes, continua sendo o desemprego -que atinge pouco mais de 4 milhões de pessoas, quase 10% da população ativa do país. Afinal, o balanço econômico da administração de Schröder não foi dos melhores. Exceto em 2000, quando cresceu mais de 3%, a economia alemã patina há mais de uma década.
"É verdade que ele herdou o Reformstau [congestionamento de reformas" do ex-chanceler Helmut Kohl [CDU", mas não fez o suficiente para dinamizar a economia do país. Não introduziu as cruciais reformas do mercado de trabalho, dificultando a retomada do crescimento econômico e a redução do desemprego. Seu maior feito nessa área foi a redução do Imposto de Renda, parte da reforma fiscal", disse Carsten-Patrick Meier, do Instituto para Economia Mundial de Kiel.
Há duas semanas, quando a onda de popularidade conseguida com as inundações começou a enfraquecer, Schröder, que, anteriormente, já tinha dado uma guinada à esquerda em busca de assegurar os votos dos mais fiéis eleitores do SPD, soube tirar proveito da situação política internacional e, durante um debate na TV, sustentou que, sob seu comando, a Alemanha não participaria de um ataque ao Iraque. Segundo pesquisas, mais de 70% dos alemães são contrários à participação alemã numa guerra.
"O chanceler foi acusado de oportunismo político por seus adversários, o que pode até ser verdade. Mas sua determinação em não aceitar uma ação militar contra Saddam Hussein, independentemente da anuência da ONU, lhe rendeu a manutenção da tendência favorável nas pesquisas recentes", explicou Gerhard Göhler, da Universidade Livre de Berlim.
Percebendo que, se não tomasse uma atitude drástica, sua aliança conservadora seria derrotada, Stoiber deixou o discurso consensual "de centro" e partiu em busca do eleitorado eminentemente de direita, abordando o delicado tema da imigração. "Só após o escrutínio saberemos se sua mudança de estratégia foi correta. A imigração e a presença de estrangeiros são temas bastante delicados na Alemanha, pois polarizam a população", indicou Nitsch.
Os vizinhos europeus da Alemanha assistem atentamente à acirrada disputa, pois há pequenas -mas sensíveis- diferenças entre os dois candidatos no que se refere à União Européia. "Com Stoiber, políticas mais liberais deverão ganhar força no bloco. E, como a expansão da UE deverá ocorrer no final deste ano, os candidatos à adesão devem observar de perto o que ocorre na Alemanha atualmente", disse Joaquín Roy, especialista em UE da Universidade de Miami.
Indubitavelmente, o pleito de hoje é decisivo, pois, como maior país do bloco europeu e terceira mais poderosa economia do planeta, a Alemanha tem influência direta na cena político-econômica mundial. Porém, como ressaltaram os analistas, nenhuma mudança drástica deve ser esperada.


O jornalista Márcio Senne de Moraes viajou a convite do Escritório Federal de Imprensa da Alemanha


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