São Paulo, terça-feira, 22 de outubro de 2002

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COMENTÁRIO

Pyongyang mostra suas cartas

JAIME SPITZCOVSKY
FREE-LANCE PARA A FOLHA

A Coréia do Norte, um dos regimes diplomaticamente mais isolados do planeta, celebrizou nos anos 90 um roteiro de negociações nas poucas vezes em que entabulou diálogo com países como EUA, Japão ou Coréia do Sul. Às vésperas das conversações, costumava promover demonstrações de força, como teste de mísseis ou aventuras navais, na esperança de se vender como uma "ameaça real" e arrancar maiores concessões, geralmente econômicas.
Ao revelar a enviados de Washington seu projeto secreto nuclear, a Coréia do Norte estaria repetindo o surrado plano de vôo: apresentar-se como detentor de significativo poder militar e oferecer recuos na área atômica como moeda de troca em uma negociação com Washington. Segundo editorial do jornal sul-coreano "The Korea Herald", o regime norte-coreano busca, além de ajuda econômica, garantias em relação à sobrevivência do regime, último reduto do stalinismo.
Kim Jong-il, o ditador norte-coreano, se assustou ao ver seu país incluído, ao lado de Iraque e Irã, no "eixo do mal", formulação criada em janeiro pelo presidente George W. Bush para descrever os regimes acusados pela Casa Branca de apoiar terroristas ou de desenvolver armas de destruição em massa. Kim avaliou que, depois de uma eventual queda de Saddam Hussein, Washington poderia voltar suas baterias para pressionar por uma mudança de regime na Coréia do Norte.
Nos últimos meses, Kim Jong-il iniciou ofensiva por uma aproximação com países vizinhos e que possam auxiliá-lo a conter a mão pesada de Washington. China, Japão e Coréia do Sul temem efeitos colaterais, principalmente em suas economias, se os tentáculos da guerra antiterror norte-americana se voltarem com intensidade para o nordeste asiático.
Há pouco mais de um mês, o premiê japonês, Junichiro Koizumi, protagonizou uma visita histórica a Pyongyang, capital norte-coreana. A Coréia do Sul também reagiu com otimismo aos sinais de fumaça produzidos pelo regime comunista, o que levou ao anúncio da retomada de diálogo.
O ditador Kim Jong-il, em seu flerte com a abertura, chegou a anunciar o plano de criação de um encrave capitalista no museu do stalinismo que é a Coréia do Norte. O território, próximo à fronteira com a China, tentaria espelhar a experiência de Hong Kong, dínamo de capitalismo no sul da Ásia, e seria o primeiro passo importante norte-coreano para repetir a alquimia do vizinho chinês: Partido Comunista no poder implementando reformas capitalistas.
Mas, ainda apegada aos dogmas comunistas e ao isolamento (apenas dois meios de comunicação estrangeiros têm presença permanente no país: as agências de notícias russa Itar-Tass e a chinesa Xinhua), a Coréia do Norte caminha lentamente na hora de adotar de mudanças na economia e assim ceder às pressões de seu principal parceiro diplomático, a China, que teme o colapso de um regime montado sobre um país em aguda crise econômica. Segundo a ONU, um terço da população norte-coreana se alimenta graças a ajuda internacional.
Pressionada pela crise econômica que se agrava desde 1995 e pela ação norte-americana na guerra antiterror, a Coréia do Norte ensaia sair do isolamento e parece disposta a repetir a tática usada em outros momentos de negociação: agita o seu poderio militar na tentativa de arrancar concessões, agora dos EUA. Essa tática, no entanto, nem sempre obtém sucesso.


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