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memória
Intelectuais estiveram na vanguarda
NELSON ASCHER
COLUNISTA DA FOLHA
Os húngaros, um povo
que, oriundo da Ásia central, fala uma língua sem
parentes próximos na Europa (finlandeses e estonianos são primos distantes), sempre se sentiram
isolados entre seus vizinhos germânicos e eslavos.
Se, durante a Idade Média, a Hungria se manteve
independente e forte na
fronteira entre vários
mundos (o católico e o ortodoxo, o cristão e o islâmico, o europeu e o asiático, o latino e o bizantino, o
sedentário e o nômade, o
agrícola e o pastoril, o feudal e o tribal etc.), desde os
século 16 ela passou a viver
à sombra de diversos impérios predatórios: o dos
Habsburgos, o Otomano, o
dos czares russos.
Como tantas outras nações pequenas, a magiar
(que é como os húngaros
se chamam) não cessou,
portanto, de se preocupar,
às vezes obsessivamente,
com sua sobrevivência etno-cultural e lingüística
num meio hostil, algo que
tornou o papel das camadas letradas mais relevante em sua vida nacional do
que na de países maiores.
Com a modernização
iniciada em meados do século 19, a intelectualidade
literária se converteu num
dos principais agentes políticos da Hungria e mantém esta posição até hoje.
Basta dizer que Árpád
Göncz, o primeiro presidente eleito depois da queda, em 1989, do regime comunista, é um romancista
e tradutor que, logo antes,
presidira a Associação dos
Escritores Húngaros.
Se foram muitos os fatores que desencadearam a
Revolução de 1956, não há
dúvida de que romancistas
e poetas, dramaturgos e filósofos estiveram desde o
princípio entre seus protagonistas mais visíveis.
Associação com 1848
Convém lembrar que,
na consciência dos participantes, aquele movimento, concomitantemente
heróico e destinado ao fracasso inevitável, associava-se a outro, a saber, a
Guerra de Independência
de 1848-49, que, travada
contra os austríacos, havia, no contexto da Santa
Aliança, sido esmagada
por tropas russas. Fora
nessa primeira insurreição, aliás, que o poeta nacional, Sándor Petöfi, desaparecera numa batalha
aos 26 anos de idade.
No entreguerras, a intelectualidade do país se dividira claramente em duas
metades antagônicas: a
dos nacionalistas, cujos
representantes mais extremos simpatizavam com
o fascismo, e a dos liberais
(em boa parte judeus e de
Budapeste), cuja ala mais
radical obedecia à URSS. A
derrota, em 1945, do nazifascismo (ao qual o regime
do almirante Horthy se
aliara) e a ocupação soviética da Hungria asseguraram a ascensão destes.
A revolta que celebra
agora seu cinqüentenário
não foi, porém, estimulada
pelos nacionalistas mas,
sim, pelos liberais, que,
com o endurecimento do
sistema, com seu despotismo, que eles viam como
traição a seus ideais, desencantaram-se, convertendo-se em seus críticos
ferrenhos. Escritores que,
para combaterem o perigo
imediato do fascismo, preferiram idealizar o regime
comunista, tão logo puderam lhe experimentar a
realidade, concluíram o
óbvio e, com suas ações,
correndo inclusive risco
de vida, o denunciaram ao
resto do mundo.
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