São Paulo, sábado, 22 de outubro de 2011

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SABATINA FOLHA/SESC
ARIANE MNOUCHKINE


"Não ganho para dizer que o mundo está ferrado"

PARA DIRETORA, PROTESTOS EM NY REVIVEM CLIMA DE MAIO DE 1968

Fundadora do Théâtre du Soleil acredita que assassinato de Gaddafi é mau começo para a democracia da Líbia

ROBERTO KAZ

DE SÃO PAULO

MARCIO AQUILES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Amanhã, o Théâtre du Soleil faz a última apresentação de "Os Náufragos da Louca Esperança" em São Paulo. A peça, em cartaz há três semanas, teve os ingressos esgotados em menos de uma hora.
Não foi por menos. Sediado na França, o Soleil é tido, hoje, como um dos mais importantes grupos de teatro do mundo. O título se deve à qualidade do corpo de atores e, inegavelmente, ao trabalho da diretora, Ariane Mnouchkine, 72, uma das fundadoras do grupo, há 47 anos.
De lá para cá, a companhia, inicialmente sem recursos, passou a carregar o estigma de privilegiada. É bancada pelo Estado francês -"pelo Estado; e não pelo governo", frisa.
Ariane participou ontem de Sabatina Folha/Sesc. O evento ocorreu no Sesc Belenzinho, onde ela respondeu a perguntas de Paulo Werneck, editor da Ilustríssima, Lucas Neves, editor-assistente da Ilustrada, Gabriela Mellão, repórter da Ilustrada, e Danilo Santos de Miranda, diretor regional do Sesc-SP.
Com um discurso apaixonado, a diretora afirmou sua crença "no poder civilizatório da arte" e elogiou a atual onda de protestos contra o poder dos bancos em Wall Street, Nova York. "Se não acham que a esperança de Maio de 68 se reconfigura nisso, envergonhem-se."
Leia, abaixo, os principais trechos da sabatina.

 

Intelecto
Não sou o que chamam de intelectual. Trabalho com a cabeça mas também com o sentimento. E quando trabalho, o momento não é de intelectualizar. É de encarnar, de atuar, de encontrar soluções práticas. Não dramatizamos ideias. As ideias cabem aos espectadores.

Igualdade
Todos aqui ganham o mesmo salário. Os atores têm o direito de ensaiar todos os personagens. Homens fazem papéis femininos, mulheres, tipos masculinos.

Trabalho do diretor
Proponho um tema. O grupo o aceita. Não só aceita. Se entusiasma. Se os atores não se entregam com paixão, se os ouço dizer que uma ideia é apenas "interessante", considero-a perdida. O dever do diretor é fazer com que o possível aflore. E, quem sabe, o incrível.
É como um jogo de curling [esporte sobre gelo em que parte dos jogadores tenta acertar um peso no alvo, enquanto outra direciona, com um rodo, o peso até o alvo]. Os atores jogam o peso. Cabe ao diretor ficar na frente, regulando o caminho.
Tenho certeza que, ao menos uma vez por semana, algum integrante do grupo me considera uma chata. Isso já me angustiou, mas se não for assim, o teatro para.

Morte de Gaddafi
Não me importo com a morte de Muammar Gaddafi, se ele foi esquartejado ou não. Mas acho que é um mau começo para a democracia líbia que ele não tenha sido julgado e preso. O que gostaria é que ocorresse um julgamento diante das pessoas que ele maltratou durante mais de 40 anos -até para aterrorizar outros tiranos.

Poder da arte
Posso sempre olhar para meu cabelo branco e pensar: "Não mudei o mundo". Mas, se pretendo fazer teatro, tenho que acreditar no poder civilizatório da arte. O que fazemos é dar mais força e coragem para que vocês mudem o que estão vendo lá fora.
Se me entristeço com a realidade, lembro que o Estado não me paga para ficar triste. A sede do meu teatro é paga com o imposto de pessoas que, muitas vezes, nunca foram ao teatro.
Meu trabalho não é dizer que o mundo está ferrado ("foutu", em francês) -até porque não está mais atualmente do que em 1936 [referência à ascensão do nazismo no entreguerras].


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