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ARTIGO
Lula compra sua 1ª "briga"
Ao chamar embaixador para consultas, presidente sinaliza que está pronto
para radicalizar, contrariando estilo "paz e amor" nas relações internacionais
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
ERA UMA VEZ um tempo
em que o presidente
Luiz Inácio Lula da Silvia dizia: "Se eu não briguei
com o Bush, não vou brigar com
ninguém".
Esse tempo acabou ontem,
no momento em que Lula instruiu o chanceler Celso Amorim a chamar para consultas o
embaixador brasileiro em Quito, Antonino Marques Porto,
no que equivale, para usar a linguagem do próprio presidente,
a brigar com Rafael Correa, o
presidente equatoriano.
Não deixa de ser uma ironia
que o presidente que não brigou com Bush, teoricamente
seu antípoda ideológico, entre
em conflito justamente com
um mandatário com o qual tem
afinidades ideológicas, na medida em que Correa faz parte da
leva de governantes de esquerda/centro-esquerda que se elegeram na América do Sul neste
século, ainda que a maioria deles tenha adotado políticas que
só uma licença poética poderia
chamar de esquerdistas.
Mas a divergência com Correa não é de conteúdo, é de forma. Traduzindo: o governo brasileiro não questiona o direito
de Correa de contestar o empréstimo de US$ 243 milhões
contraído no BNDES -o motivo da "briga".
Mas diverge radicalmente da
forma como foi feita a operação. Correa não teve a delicadeza básica de telefonar para Lula
ou para o Ministério brasileiro
das Relações Exteriores para
consultar ou, pelo menos, avisar que estava recorrendo à arbitragem internacional para
tentar não pagar o empréstimo.
"Os telefones em Quito funcionam", ironiza, por exemplo,
Marco Aurélio Garcia, o assessor internacional do presidente
Lula e interlocutor assíduo dos
governantes sul-americanos.
Em outra moeda
O que irrita Lula é o fato de
que o seu governo tratou Correa -e todos os demais governantes sul-americanos, de direita, de esquerda, de centro, de
centro-esquerda- com o máximo de atenção, cortesia e disposição para ouvir queixas e
tentar resolvê-las.
A atenção e a cortesia foram
ainda maiores para com presidentes de países mais pobres
(Bolívia, principalmente).
"Se um governo amigo nos
trata dessa maneira, como seria
o comportamento de um governo inimigo, se o tivéssemos?" -indaga Marco Aurélio.
O antecedente mais próximo
da situação agora criada com o
Equador foi a nacionalização
do gás na Bolívia, pouco depois
da posse de Evo Morales. Não
pela nacionalização em si, que
Lula disse ter entendido perfeitamente, mas pela maneira como Morales se comportou em
seguida: deu uma entrevista coletiva em Viena, à margem da
cúpula União Européia-América Latina e Caribe, para criticar
duramente o Brasil e a Petrobras, enquanto Lula viajava de
Brasília para Viena.
O presidente brasileiro, antes de responder, pediu a fita da
entrevista, para não basear-se
em interpretações dos jornalistas. Quando se encontrou com
o colega boliviano, no dia seguinte, avisou: "Não ponha
uma espada na minha cabeça
para negociar".
Evo Morales pôs a espada de
lado, embora as divergências
Brasil/Bolívia continuem em
muitos pontos, mas todos sendo tratados em negociações nas
quais o governo brasileiro não
tem sido surpreendido, ao contrário do que ocorreu com Rafael Correa agora.
Exatamente pela falta de antecedentes, é difícil antecipar o
que acontece agora que Lula resolveu "brigar" pela primeira
vez em seus praticamente seis
anos de governo.
Mas, no governo brasileiro, o
que se diz é que a bola está com
Correa. Cabe a ele o próximo
gesto, se de apaziguamento ou
de radicalização.
Ao chamar o embaixador em
Quito a Brasília para consultas,
Lula está implicitamente avisando que está pronto para radicalizar também, contrariando o estilo "paz e amor", que
adotou para vencer a eleição
em 2002 e ampliou para as relações internacionais.
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