São Paulo, sexta-feira, 22 de dezembro de 2006

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Ditador turcomeno morre e abre debate por reservas de gás

Turcomenistão tem a 5ª maior reserva do combustível; Niyazov, que proibiu até circo, impôs culto à personalidade

Especialistas crêem que EUA e Rússia disputarão o poder de influir sobre o gás que já supre a Ucrânia; sucessão atropela Constituição local

DA REDAÇÃO

O ditador do Turcomenistão, país da Ásia Central que é depois da Rússia o maior exportador de gás natural, morreu ontem aos 66 anos. Especialistas acreditam que a sucessão de Saparmurat Niyazov abra conflitos entre partidários de Moscou e de Washington.
Niyazov construiu em 21 anos um sistema político fechados, com a adoção do culto à personalidade e a proibição de circos, óperas e balés e uma reforma do calendário em que o mês de janeiro passou a ter o nome dele [leia texto ao lado].
Em Washington, um dos porta-vozes da Casa Branca disse que o presidente George W. Bush disse esperar que continuem a se expandir as relações bilaterais e que seu sucessor permita "justiça e oportunidade" para os turcomenos.
Em Moscou, o ministro do Exterior, Serguei Lavrov, afirmou ter esperança de que a sucessão "se dê de acordo com as leis" e se preserve a continuidade das relações bilaterais.
Atrelada à política energética da ex-União Soviética, a produção turcomena de gás é quase toda exportada à estatal russa Gazprom, que a repassa à Ucrânia e assim libera aos russos a possibilidade de fornecer o combustível à União Européia.
Saparmurat Niyazov não tinha um sucessor designado, embora sua saúde inspirasse cuidados depois de uma cirurgia cardíaca a que se submeteu em 1997, na Alemanha. Ele morreu do coração, segundo comunicado divulgado em Achkhabad, a capital do país.
A Constituição prevê que, com o impedimento do presidente, assuma interinamente o primeiro-ministro. Mas o cargo também era exercido pelo ditador. O segundo na linha sucessória, o presidente do Parlamento, Overzgeldy Atayev, foi descartado porque, em comunicado insólito, informou-se ontem que ele estava sendo processado por corrupção.
Quem assumiu foi o vice-primeiro-ministro, Kurbanguly Berdymukhamedov, 49, também indicado para presidir os funerais, marcados para domingo. Ele é dentista e já foi ministro da Saúde. Era considerado um fiel seguidor do ditador.
Eldar Namazov, analista baseado no Azerbaijão, disse ser "óbvio que uma guerra de influências começará entre a Rússia e os EUA", com a séria possibilidade de o Irã e o mundo islâmico tentarem ampliar seu espaço político.
Um dirigente da Gazprom, não identificado, disse à Reuters que está aberta uma disputa pesada pelo poder, opondo o grupo pró-Rússia ao que defende uma abertura maior ao comércio com os americanos.
A mesma agência cita um diplomata europeu em Moscou, para quem qualquer mudança abrupta no circuito de comercialização do gás teria um impacto imediato na Ucrânia e, em conseqüência, no combustível que os russos exportam para a União Européia. "Seria a queda das pedras de um jogo de dominó", disse o informante.
Eduard Poletayev, analista político do Cazaquistão, disse ser possível que o islamismo militante procure expandir sua influência regional por meio do vizinho Afeganistão. Seria a substituição da intransigência ideológica pela religiosa.
Em Londres, Shirin Akiner, especialista em Ásia Central no Instituto Real de Relações Internacionais, também acredita no mesmo risco islâmico.
O ditador morto reafirmava sua política de neutralidade. Mas aderiu indiretamente à "guerra ao terrorismo" dos Estados Unidos, ao permitir que seu território fosse sobrevoado por aviões da Otan que operam em território afegão.
Niyazov não admitia partidos de oposição. Sua última eleição, em 1991, deu-lhe 99,5% dos votos. No plebiscito em que obteve o cargo vitalício, três anos depois, recebeu 99,9%.
Os oposicionistas estão presos ou no exílio. Um deles, Parakhad Yklymov, afirmou na Suécia que "em algumas horas" estaria de retorno. Em Moscou, Bairam Shikhmuradov afirmou esperar garantias de que a oposição poderá atuar.


Com agências internacionais


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