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ENTREVISTA DA 2ª
PARAG KHANNA
Falta ambição para Brasil se tornar superpotência
Para consultor de política externa de Barack Obama, contudo, país influencia destino de superpotências, como EUA e China
NOME ASCENDENTE , o americano de origem indiana crê que Obama terá menos
ferramentas para influir no mundo -pela crise e o fracasso militar. Dirige o New America Foundation e
é autor de "The Second World -Empires and Influence in the New Global Order"
[O Segundo Mundo - Impérios e Influência na Nova Ordem Global].
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
No novo mundo que espera o
presidente eleito Barack Obama, a crise econômica que assola os EUA fará o país ter menos
ferramentas não-militares de
persuasão em sua política externa, o chamado "soft power"
(poder suave, expressão cunhada por Joseph Nye, da Universidade Harvard).
Nesse mundo multipolar, ganham importância os países de
"Segundo Mundo", como Brasil
e China. E isso não segundo a
definição clássica, da Guerra
Fria, que usava o termo para os
países na órbita da então União
Soviética, mas no conceito de
Parag Khanna, norte-americano de origem indiana que, aos
31 anos, é a nova estrela entre
analistas de política externa.
São países com características de Primeiro e Terceiro
mundos. Khanna falou à Folha
por telefone. Leia abaixo trechos da conversa:
FOLHA - O sr. defende a redefinição
dos termos Primeiro, Segundo e Terceiro mundos. Chama os que fazem
parte do grupo do meio de "países
em transição", como o Brasil. Pode
ampliar o conceito?
PARAG KHANNA - Os países do
Segundo Mundo estão presos
nesse grupo em termos socioeconômicos. O que os define é
como lidam com a globalização,
se são capazes de capitalizar as
oportunidades do mercado global -como acredito que o Brasil é- ou se são vitimados por
esse mercado global -como
acredito que muitos países são.
Os países de Segundo Mundo
são os que têm divisões internas, com características de Primeiro Mundo e de Terceiro
Mundo, como China e Brasil.
Ambos são parte do mesmo
grupo, mas a diferença é que a
China tem ambições globais.
Competir com os EUA e a Europa faz dela uma superpotência. Sim, você pode ter superpotências de Segundo Mundo. Para ser uma, não é preciso ser rico -a China não é rica internamente, mas poderosa.
FOLHA - O fato de um país ter ou
não ambição global o define?
KHANNA - Sim. Mas a relação
entre eles também é importante. A China e os EUA são superpotências, o Brasil não. Mas, se
o Brasil decidir rejeitar as ofertas da China em termos de comércio e investimento, isso vai
prejudicar as ambições globais
chinesas.
Do mesmo modo, se o Brasil
decidir não cooperar com os
EUA na América Latina, então
as políticas dos EUA para a região serão ainda mais fracassadas do que são hoje. Meu ponto
é que países de Segundo Mundo como o Brasil têm influência
sobre o sucesso das superpotências, por isso têm poder.
FOLHA - Como esse conceito de Segundo Mundo difere do conceito de
Brics [acrônimo criado pelo Goldman Sachs em 2001 que agrupa as
potências emergentes Brasil, Rússia,
Índia e China], por exemplo?
KHANNA - Há muitos problemas com o conceito de Brics.
Em primeiro lugar, ele faz uma
projeção para 40 anos, o que
não pode ser exato por definição, especialmente no momento atual. Ele olha tão longe que
é impossível refutar, mas é impossível validar também.
Em segundo lugar, são apenas quatro países. Mesmo
quando se diz Brics + 11, como
tem acontecido ultimamente,
são 15 países. Eu falo de 40 países no Segundo Mundo.
Esse conceito é falho ao não
levar em conta diplomacia, estratégias política e militar.
FOLHA - Um dos capítulos mais
longos de seu livro o sr. dedica ao
Brasil, onde já esteve. Qual sua impressão?
KHANNA - Muito favorável. A
força do país está em sua economia diversificada, não só baseada nos recursos naturais
mas também muito industrializada e com inovações em alguns setores.
Além disso, acho positivo algumas políticas de desenvolvimento do governo. Programas
como o Bolsa Família, por
exemplo, são inovadores e difíceis de implantar.
Na verdade, não encontrei
nada similar, com tamanho sucesso, em nenhum outro lugar
do mundo, com exceção talvez
da China. Os dois países estão
criando um mercado interno
muito forte por conta disso.
Por fim, a diplomacia: acho o
Itamaraty incrivelmente sofisticado, a maneira com que lida
com questões de comércio.
FOLHA - O sr. é um dos defensores
do mundo multipolar, em que os
EUA perdem poder absoluto em favor de mais participantes no diálogo
mundial. Em relatório recente, a comunidade de inteligência norte-americana admite pela primeira vez
esse cenário, para 2025. Eles estão
finalmente ouvindo o que a intelligentsia vem dizendo há anos?
KHANNA - Você é que está dizendo que eles estão nos ouvindo, mas, se você comparar os
ponto-chave deles e os do meu
livro, eu escrevi antes (risos).
Fui uma das pessoas ouvidas
pelo relatório, na verdade.
Mas pode ser que eles estivessem atrás no conceito e agora estão chegando lá.
FOLHA - Os EUA estão preparados
para esse cenário?
KHANNA - O relatório aponta
que em 2025 os EUA ainda serão o país mais poderoso do
mundo. Diz também que o
mundo será um lugar muito difícil de ser governado, que a noção de comunidade internacional será enfraquecida e que não
haverá um líder definitivo.
FOLHA - Mas o sr. diz que os EUA
correm o risco de se tornarem um
país de Segundo Mundo...
KHANNA - Sim. Se você ligasse a
TV agora e assistisse às três
maiores montadoras norte-americanas de pires na mão,
sendo socorridas pelo governo,
discordaria de mim?
FOLHA - Nesse sentido, é bom ou
ruim o fato de Barack Obama se tornar o novo presidente?
KHANNA - Bom, principalmente por conta da situação econômica e de como ela afetará o poder de ação dos EUA no mundo.
Com o agravamento da crise,
será cada vez mais difícil contar
com corporações, ONGs, entidades beneficentes e assistência internacional -instrumentos de "soft power" que a política externa norte-americana
usa para compensar a estratégia militar, que é um fracasso.
FOLHA - Que tipo de capitalismo
sairá dessa crise?
KHANNA - Um capitalismo como o europeu, isso é inegável.
Um modelo de capitalismo de
Estado, bem regulado, mas
bem dirigido, com grandes e
importantes indústrias.
FOLHA - O sr. é um dos consultores
do presidente eleito para o Sudeste
Asiático. O que acha da promessa
que fez na campanha, de ser mais
agressivo em relação ao Paquistão?
Prometeu, por exemplo, fazer ataques pontuais dentro do país.
KHANNA - Esses ataques já estão acontecendo sob George W.
Bush, então não vejo uma grande mudança de tática. Não acho
que será tão controverso assim,
pelo menos não em termos de
realidade política americana.
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