São Paulo, quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

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Iraniano preso acusa Brasil de ignorar direitos humanos

País privilegia relação econômica, disse cineasta Jafar Panahi em outubro

Um dos expoentes da oposição ao presidente Ahmadinejad, ele teve a condenação à prisão anunciada anteontem


ALINE KHOURI
FLAVIO RASSEKH

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Condenado anteontem a seis anos de prisão, o cineasta iraniano Jafar Panahi, 50, diz que o Brasil privilegia as relações econômicas com o Irã em detrimento dos direitos humanos.
"São os governos que julgam o que é mais importante: as violações de direitos humanos ou suas possíveis oportunidades econômicas.
O Brasil pesou este lado, colocou as duas variáveis na balança e julgou que valeria a pena pelo lado econômico", declarou Panahi, em entrevista feita por telefone no último dia 27 de outubro -há pouco menos de dois meses, portanto- num raro intervalo de liberdade.
A entrevista permanecia inédita até hoje. No início do ano, Pahani já havia passado 88 dias preso.
Premiado nos festivais de Cannes e Veneza, ele destacou-se como um dos principais opositores ao regime do presidente Mahmoud Ahmadinejad.

 

Folha - O sr. já havia sido preso outras vezes. Qual foi a diferença no último episódio?
Jafar Panahi -
Essa última foi totalmente diferente, até porque Evin [onde ficou preso da última vez, no noroeste do país] é a prisão mais famosa do Irã, por conta de seus prisioneiros políticos. Fiquei três meses preso, a partir do dia 1º de março. Fui detido com minha família, mas eles foram liberados após dois dias. Em Evin estão também minorias religiosas como os bahá'í [religião monoteísta surgida na antiga Pérsia]. Todos ali são prisioneiros de consciência.

Em quais condições vivem esses presos?
Não pude ter qualquer contato com qualquer um fora da minha cela. Quando saíamos, éramos orientados pelos guardas a andar com os olhos vendados.
Depois de 14 dias na solitária, fui levado a uma cela muito apertada, de 1 m por 2,5 m, dividida com duas outras pessoas. Só saíamos da cela para ir ao banheiro ou tomar banho duas vezes por semana. Esses companheiros também foram feitos prisioneiros devido às suas ideias. Não haviam feito nada que ferisse a lei.
Não dava para ver mais nada mesmo, apenas quando havia visitas, nos momentos que os guardas nos levavam por distância um pouco maior. Recebi a primeira visita depois de um mês e pouco.

Em relação às mulheres no Irã, quais os ganhos mais significativos nos últimos anos e quais as proibições que precisam ser revistas?
Acho que o ganho dos últimos anos foi a conexão com o resto do mundo, que faz com que as mulheres comparem a situação de seus direitos com aqueles adquiridos em outras partes do mundo e a partir disso reivindiquem. O governo está de olho nisso e ataca cada manifestação desse contato, por isso a enorme quantidade de senhoras, jovens e jornalistas presas apenas por exigir liberdade.
Então o passo mais urgente é garantir esse direito mais primordial, que é o da livre expressão. A maioria dos filmes que faço foca nas limitações das mulheres, porque embora homens também sofram várias barreiras, as mulheres são mais sacrificadas, seus direitos básicos são mais cerceados.
Quando os direitos básicos não são respeitados e o Judiciário não pode atuar independentemente, a situação chega a um ponto em que a Justiça não pode ser feita.

Como o sr. encara as relações do Brasil com o Irã, enquanto potências mundiais tendem a sanções e embargos?
É natural que cada governo tente proteger seus próprios interesses. Existem estratégias políticas no jogo e certamente o Brasil não ignora isso. O que fala mais alto não é solidariedade, mas interesses políticos e comerciais. Nessas condições, os princípios dos direitos humanos são ignorados em detrimento dos interesses econômicos.
Em momentos assim, são os governos que julgam o que é mais importante: as violações de direitos humanos de um país ou suas possíveis oportunidades econômicas. O Brasil pesou este lado, colocou as duas variáveis na balança e julgou que valeria a pena pelo lado econômico.
As lideranças do Irã querem destruir qualquer minoria porque não enxergam outra maneira de ver. Por isso qualquer um que pense diferente vai para a cadeia.

Em diversas declarações o sr. se remete ao ato de pensar e dirigir um filme como uma necessidade de questionar algumas certezas. O cinema acaba sendo uma terapia?
O princípio da profissão de cineasta é ser verdadeiro consigo mesmo, é acreditar no que você está fazendo e ter certeza de que aquilo é correto. Sem isso, não há sucesso. Cineasta não pode mentir para si mesmo.


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