São Paulo, sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

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SOB NOVA DIREÇÃO / HERANÇA MALDITA

Obama desmantela rede de exceção de Bush

Novo presidente ordena fechamento de Guantánamo e determina fim de prisões secretas da CIA e do uso da tortura

Medidas deixam em aberto destino dos presos em base militar em Cuba; assessores dão a entender permissão para tortura caso a caso

Matthew Cavanaugh/Efe
Cercado de oficiais militares da reserva e ao lado do vice-presidente Joe Biden, Obama assina ordens executivas com dose de simbolismo; fechamento da prisão em Guantánamo demora um ano

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Dando continuidade a sua política de reverter as medidas de exceção da era Bush, o presidente Barack Obama confirmou o fechamento da prisão da base naval de Guantánamo, em Cuba, e assinou outras duas ordens que na prática proíbem a tortura em interrogatórios de suspeitos de terrorismo e eliminam as prisões secretas mantidas pela CIA, a agência de inteligência dos EUA.
Em seu terceiro dia no cargo, o novo ocupante da Casa Branca assinou três ordens executivas e expediu um memorando que, ao menos no papel, desmantelam a rede montada por seu antecessor, George W. Bush, no tratamento de suspeitos e prisioneiros do que chamou de "guerra ao terror". O de maior efeito dá um ano para fechamento do centro criado após o 11 de Setembro.
Fica cancelado também o programa da CIA de manter suspeitos de terrorismo presos por meses ou anos em locações secretas espalhadas pelo mundo e a prática de "métodos coercitivos de interrogatório", um eufemismo bushista para ações de tortura como o afogamento simulado.
A começar de ontem, a agência de inteligência terá de seguir as 19 regras de interrogatório constantes do Manual de Campo do Exército, que por sua vez seguem as leis internacionais. Os três programas eram o pôster a alimentar o sentimento antiamericano no mundo durante os oito anos do mandato de Bush e seu vice-presidente, Dick Cheney.

Luta contra terror
"Eu posso dizer sem hesitação ou equívoco que os Estados Unidos não vão torturar", afirmou Obama numa cerimônia no Departamento de Estado, ontem à tarde. A frase "Os EUA não torturam" era o mantra de Bush e seus assessores nos últimos meses. A mudança do tempo verbal pelo sucessor democrata não foi acidental.
"Os EUA pretendem continuar a atual luta contra a violência e o terrorismo", havia dito o presidente antes. "E vamos fazer isso de maneira vigilante, efetiva e coerente com nossos valores e ideais. Pretendemos vencer essa luta, mas vamos vencer em nossos termos."
Se as ações de ontem têm um efeito positivo inegável na opinião pública mundial, criam vários problemas domésticos para seu autor. O primeiro é o que fazer com os 245 detentos hoje sob guarda de Guantánamo, entre eles cinco acusados de planejar o ataque do 11 de Setembro. Em sua ordem, Obama determina que, se em um ano eles não tiverem saído de Guantánamo, serão soltos.
Muitos estão lá há anos sem ter sido acusados formalmente. Outros já tiveram a soltura autorizada, mas não podem voltar a seus países de origem, onde correm risco de morte -21 passam por julgamento, por comitês de exceção.
Mesmo os que estão sendo julgados nessa instância podem ter seus casos anulados, se for comprovado que evidências contra eles foram obtidas de forma ilegal -como resultado de tortura, por exemplo. Na ordem, Obama exige que todos os processos sejam revisados.

"24 Horas"
O outro problema é que, ao desmontar o arcabouço de exceção de Bush, Obama abre mão do que defensores das práticas classificam de instrumentos valiosos na luta contra o terrorismo. Escrevendo no "Washington Post" de ontem, Marc Thiessen, autor de discursos de Bush, advertiu: "O que ele vai fazer quando o próximo líder sênior da Al Qaeda for capturado e se recusar a falar?"
"Vai permitir que a CIA use as técnicas reforçadas de interrogatório?", pergunta-se. "Se se recusar e o país for atacado, Obama vai ser responsabilizado." É a chamada "cláusula 24 horas", uma referência ao seriado de TV homônimo, segundo a qual, se um ataque terrorista iminente puder ser evitado por confissão de suspeito via tortura, essa deve ser usada.
Especialistas civis e militares que aconselharam Obama durante a campanha, no entanto, alertaram para a histórica falta de qualidade da informação obtida sob coerção. Além disso, assessores obamistas ontem deram a entender que, se tal situação acontecer -na captura de Osama bin Laden, por exemplo-, o presidente pode assinar ordem executiva que permita o uso de "técnicas de exceção" caso a caso.
O senador republicano John McCain soltou declaração apoiando a medida. "Nós apoiamos a decisão do presidente Obama de fechar a prisão de Guantánamo e reafirmar a adesão dos EUA às Convenções de Genebra", afirmou. Rival de Obama na disputa presidencial de 2008, McCain foi preso e torturado nos anos 60, quando o avião da Marinha que pilotava caiu no Vietnã.


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