São Paulo, sábado, 23 de janeiro de 2010

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HAITI EM RUÍNAS

Brasil "marca posição" em território dos EUA

País organiza megaoperação de entrega de alimentos em frente a palácio presidencial, que virou base de atuação americana

"É muito importante que haja a percepção do trabalho do Brasil", diz comandante da Minustah, que chefiou pessoalmente a distribuição

Shawn Thew/Efe
Com helicóptero americano sobrevoando palácio destruído ao fundo, soldados brasileiros fazem operação de distribuição de alimentos

FÁBIO ZANINI
ENVIADO ESPECIAL A PORTO PRÍNCIPE

Numa tentativa de responder à crescente visibilidade das tropas americanas no Haiti, o Brasil, que comanda militarmente a Minustah (missão de paz da ONU no país), montou ontem uma grande operação de distribuição de cestas básicas às vítimas do terremoto com objetivos assumidamente propagandísticos.
Pela manhã, 30 carros do contingente brasileiro da Minustah tomaram a avenida em frente ao principal símbolo da ruína do Estado haitiano, o palácio presidencial, em destroços desde o tremor.
É nos arredores do prédio que se reúne parte dos americanos. Helicópteros da Marinha dos EUA pousam e decolam do gramado do palácio a todo momento, recolhendo feridos e os encaminhando a um navio-hospital ancorado na costa de Porto Príncipe.
O Brasil planejava o evento havia alguns dias. Ontem, não economizou em estrutura. Ao amanhecer, nove blindados (sete Urutus, do Exército, e dois Piranhas, da Marinha) foram enfileirados ao longo de uma quadra, como se estivessem numa feira militar. Cerca de 220 militares brasileiros fortemente armados ajudavam na organização da interminável fila de haitianos que rapidamente se formou.
De dentro de caminhões, sacolas contendo leite em pó, açúcar, sardinha, presunto e biscoitos (doação do governo brasileiro) eram descarregadas pelos soldados e repassadas às mãos dos haitianos.
No total, dez toneladas de comida e 22 mil litros de água foram distribuídos durante cerca de duas horas.
Uma grande bandeira brasileira foi pendurada na caçamba do caminhão que distribuía as sacolas. Alguns metros adiante, um arame foi fixado num Urutu numa ponta e num caminhão na outra, formando uma espécie de varal. Ali foram estendidas, lado a lado, uma bandeira do Brasil e outra do Haiti.
Chefiando pessoalmente a operação, o comandante-geral da Minustah, o general brasileiro Floriano Peixoto, pedia a jornalistas para ser fotografado passando garrafas de água para as mãos de vítimas do terremoto. "Lamentavelmente, a imprensa tem dado pouco destaque à participação brasileira na ajuda humanitária", declarou. Segundo ele, o palácio foi escolhido por seu poder simbólico. "É uma forma de marcar posição. É muito importante que haja a percepção do trabalho do Brasil", afirmou.
Enquanto o general dava entrevista, um helicóptero americano lentamente se aproximou, vindo da região do porto, e deu um rasante sobre o gramado do palácio, levantando poeira. Depois, levantou voo de novo pouco antes de tocar o chão. Peixoto minimizou o gesto. "Não é nada, devem estar recolhendo algum ferido", disse.
Segundo ele, não há competição por espaço. Como exemplo, citou o fato de uma operação de distribuição de alimentos conjunta com os EUA estar marcada para hoje -mais tarde, no entanto, o evento acabaria sendo cancelado.
Se há alguns dias o tom dos brasileiros era diplomático, hoje há sinais crescentes de irritação com os EUA. "É preciso que vocês [jornalistas] coloquem no jornal que o comando da Minustah está sendo feito por um general brasileiro, que sou eu, general Floriano Peixoto. Mais do que isso, estou também fazendo um trabalho político", afirmou. A justificativa para a grande presença de equipamentos pesados, segundo ele, era a necessidade de organizar a distribuição.
Desde o terremoto, a praça em frente ao palácio presidencial virou um campo de refugiados improvisado. Centenas de tendas se armaram com vítimas em busca de ajuda ou pessoas que temem dormir debaixo de um teto -os tremores, a maioria de pequena intensidade, têm ocorrido todos os dias.
Pelo menos entre esse público, ontem enfrentando filas de mais de uma hora, o esforço do Brasil de mostrar quem é que manda surtiu efeito.
"Os americanos só querem achar mortos. Os brasileiros estão cuidando dos vivos", disse Rick Rabel, 17. Para Jacob Fleulanvil, os americanos não fazem nada pelos haitianos. "Estão primeiro ajudando quem tem passaporte americano."


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