São Paulo, quinta-feira, 23 de março de 2006

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EUROPA

Para Cohn-Bendit, atual protesto é o oposto do movimento que ele liderou

Ex-líder nega comparação com 68

MARTIN ARNOLD
DO "FINANCIAL TIMES", EM PARIS

A onda de passeatas e confrontos que se espalha pela França é algo oposto ao que ocorreu naquele país em Maio de 1968, afirma Daniel Cohn-Bendit, o principal dirigente do movimento que eclodiu há quase 40 anos.
Hoje deputado pela Alemanha no Parlamento Europeu -nascido na França, tem dupla nacionalidade- e um dos líderes da bancada dos Verdes, ele diz que Maio de 68 apresentava uma "visão positiva", enquanto as atuais manifestações contra a lei do primeiro emprego refletem "um mal-estar profundo" da sociedade francesa.
Nascido em 1945, ele estava para completar 23 anos quando, nos desdobramentos da tentativa de sua expulsão da Universidade de Nanterre, os estudantes ocuparam a reitoria e desencadearam um movimento que rapidamente se alastrou para a Sorbonne e paralisou toda a França.
Cohn-Bendit, apelidado na época de "Danny, o Vermelho", liderava o Movimento 22 de Março, pequeno grupo de militantes restrito à universidade do subúrbio parisiense de Nanterre, que misturava marxismo, anarquismo e uma plataforma meio difusa de liberdade sexual.
Ele disse ao "Financial Times" que a revolta estudantil daquela época era "ofensiva" e se baseava na luta pela ampliação da liberdade, em contraste com as manifestações de agora, a seu ver "defensivas", por mais que tenham sido capazes de colocar na rua mais de 1 milhão de pessoas.
O hoje eurodeputado acredita que os protestos de 1968 foram uma reação aos valores morais repressivos impostos por gerações anteriores. Esse componente não está mais presente hoje em dia.
"O que se tem é uma sociedade cansada de seus quadros dirigentes", afirma. O primeiro-ministro Dominique de Villepin "enfrenta uma grave crise política", com uma juventude que possui uma visão negativa sobre o futuro.
"Maio de 1968 foi, ao contrário, um movimento ofensivo, com uma visão de futuro positiva." Agora, está na defensiva "uma geração temerosa e insegura com relação a mudanças".
Ele acredita que os primeiros sintomas do desencanto dos franceses com o sistema político se manifestou em 2002, quando o líder da extrema-direita, Jean-Marie Le Pen, provocou um choque planetário ao se classificar para o segundo turno da disputa presidencial. Havia nesse resultado, diz Cohn-Bendit, o medo dos desafios e da globalização.
Outro sintoma ocorreu no ano passado, com a revolta em subúrbios franceses dos jovens muçulmanos sem perspectiva de integração à sociedade francesa.
Tudo isso compõe um quadro do qual também faz parte a vitória do "não" no plebiscito francês sobre a Constituição Européia, no ano passado. Os franceses não rejeitavam a Europa, diz o eurodeputado. Eles reagiram contra a globalização, que interpretam como uma ameaça à autonomia do Estado francês.
O próprio establishment francês reage dessa forma, como a recente decisão da Assembléia Nacional de proteger as empresas francesas contra tentativas de compras por grupos estrangeiros.
Cohn-Bendit não leva a sério os apelos ao diálogo de Villepin e do presidente Jacques Chirac sobre a legislação do primeiro emprego. Lideranças estudantis e sindicais resistem a negociar sobre uma lei impopular.


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