São Paulo, domingo, 23 de março de 2008

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Constituinte testa unidade da coalizão governista

Exploração mineral divide Acordo País de Correa em verdes mais ou menos radicais

Presidente, católico, é contra a descriminalização do aborto, apoiada por parte de sua base, que não se formaliza como partido

DA REDAÇÃO

A Assembléia Constituinte do Equador, dominada pelos governistas, é o palco do primeiro teste de fato para a coalização que levou o presidente esquerdista Rafael Correa ao poder no ano passado.
Sem representação no Congresso -porque seus partidários boicotaram a eleição legislativa-, Correa começou a forjar seu ambiente de governabilidade ao eleger no ano passado 80 das 130 cadeiras da Constituinte, com plenos poderes.
Os constituintes, por sua vez, votaram para fechar o Congresso, numa manobra questionada pela oposição e por juristas, mas que teve apoio popular.
O que parecia ser um caminho fácil até a nova Constituição, que irá a referendo, começa a mostrar arestas. Os constituintes aliados de Correa -reunidos na Acordo País, coalizão que vai desde social-democratas, integrantes de um enfraquecido movimento indígena até radicais de esquerda e verdes de diversos matizes- têm de escrever a Constituição até junho. O prazo oficial era o final de maio, mas foi adiado.
Os debates e entraves que já começaram a pipocar entre os governistas referem-se a regras de exploração de recursos naturais -petróleo e minérios- e também sobre direitos reprodutivos e sexuais, em especial a descriminalização do aborto.
No primeiro tema, analistas vêem o governo dividido entre ortodoxos e verdes mais ferrenhos, como o ex-ministro de Energia e presidente da Constituinte, Alberto Acosta, e as posições do presidente e de figuras como o secretário do Planejamento, Fander Falconí.
"Não vamos cair em radicalismos e infantilismos. Sim à mineração responsável", disse Correa em programa de rádio em 8 de março, irritado com propostas de impedir mineração em larga escala no país.
"O governo não tem duas linhas, tem uma só, a do desenvolvimento sustentável", afirmou à Folha Falconí.
Parte da base verde já havia se irritado porque Correa destravou, no ano passado, a exploração pela Petrobras de um controvertido campo de petróleo, localizado dentro do Parque Nacional Yasuní. Na região amazônica, a área é considerada reserva da biosfera pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura).
Enquanto o governo comemora parcerias econômicas com o Brasil, como a para a construção da estrada Manaus-Manta, e com a China -um trecho do porto de Manta, no Pacífico, foi concedido a empresários chineses-, parte da base, simpatizantes e alguns constituintes torcem o nariz, dizendo que Quito quer trocar "o imperialismo dos EUA por outros".
Correa já ameaçou renunciar caso a Assembléia Constituinte aprove projetos com os quais ele não concorde, de "ecologismo infantil" à flexibilização sobre as regras do aborto, hoje só permitido em uma legislação similar à brasileira. "Jamais entendi propostas de "meu corpo, minha escolha'", disse o presidente, católico, para fúria das feministas aliadas.

Desafio e conforto
"O governo e Correa montaram uma dicotomia entre "cidadãos virtuosos" e "partidos espúrios'", diz o sociólogo Franklin Ramírez Gallegos, coordenador do Instituto de Investigações Sociais. Nesse sentido, adiaram a organização do Aliança País, o partido do governo que se coligou com movimentos e siglas menores para formar o Acordo País, onde, até agora, as decisões são tomadas "por duas ou três pessoas".
O esquema funcionou bem nas campanhas até agora. "A população parece estar confortável assim, com um presidente decisionista. Mas o grande desafio do governo é justamente fazer o Aliança País evoluir como partido moderno, democrático", diz Ramírez, sob o risco de o movimento equatoriano sucumbir em "uma guinada caudilhista" (FM)


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