São Paulo, segunda-feira, 23 de março de 2009

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Papa ataca "tribalismo" ao fim de visita

Na viagem à África, Bento 16 contrapôs "universalismo" católico, para ele positivo, a "etnocentrismo" local

DA REPORTAGEM LOCAL

O papa Bento 16, numa missa para cerca de um milhão de angolanos na capital do país, Luanda, responsabilizou ontem o "tribalismo", a guerra e as rivalidades entre diferentes etnias pela pobreza e pela injustiça social na África.
Segundo ele, essas "nuvens do mal" privaram "gerações futuras dos recursos necessários para criar uma sociedade mais sólida e justa".
O ataque ao "tribalismo" reforça uma das ideias repetidas pelo pontífice nessa viagem de uma semana por dois países africanos, Camarões e Angola, que se encerra hoje: a da oposição entre o "universalismo" católico -visto como valor positivo- e o que ele chamou de "etnocentrismo" local.
Ainda no segundo dia de sua viagem, Bento 16 criticou "todo o etnocentrismo e particularismo excessivos", afirmando que os sacerdotes africanos devem evitar que as missas "festivas e animadas" com elementos sincréticos locais se tornem obstáculo para o "diálogo e comunhão com Deus".
A incorporação de elementos da cultura local em celebrações católicas foi uma das grandes mudanças promovidas na igreja pelo Concílio Vaticano 2º (1962-1965), reforma que buscou aproximar o catolicismo da modernidade, além de valorizar o poder e a cultura local das igrejas em cada país.
O papa Bento 16, no entanto, discorda dessa interpretação do concílio como um movimento de "aggiornamento", e prefere enfatizar a continuidade, a "centralidade" cultural europeia e a tradição da Igreja Católica.
A crítica ao "etnocentrismo" africano traz algo de paradoxal, afirmou na semana passada o antropólogo Otávio Velho, do Museu Nacional. "A Igreja Católica Romana é absolutamente etnocêntrica, em termos europeus, e não faz a crítica disso", disse ele à Folha.
Já em Angola, o papa criticou práticas de "feitiçaria" locais, que estariam presentes tanto em religiões tradicionais africanas quanto em cultos de igrejas neopentecostais, muitas delas oriundas do Brasil.
Há registros de casos de crianças e idosos abandonados ou mortos naquele país, depois de terem sido acusados de serem "feiticeiros". A própria igreja, por outro lado, fomentou por séculos a crença em "bruxas". Se agora a heresia, para a instituição, é acreditar em feiticeiros, por muito tempo ela estava em ser feiticeiro.

Camisinha
A "relativização" que o papa fez do conceito de "etnocentrismo", geralmente associado à cultura hegemônica, europeia, não foi a única em seu giro africano. Ele também desafiou o senso comum ao afirmar que o uso da camisinha não só não é parte da solução do problema da disseminação da Aids no mundo, como pode representar parte do problema, ao incentivar práticas vistas pela igreja como irresponsáveis.
Os governos da França e da Alemanha reagiram à ideia. O Ministério das Relações Exteriores francês disse que "declarações desse tipo dificultam políticas de saúde pública e [vão contra] o imperativo de proteger a vida humana".
Ontem, enquanto o papa criticava os "tribalismos" africanos, um grupo de extrema direita e outro de esquerda se enfrentaram diante da Catedral de Notre Dame, em Paris. Integrantes do Partido Comunista e ambientalistas distribuíam preservativos após a missa de domingo quando o conflito começou com os jovens direitistas, que exigiam que eles "deixassem o papa em paz".
(RAFAEL CARIELLO)


Com agências internacionais


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