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Casal Kirchner busca plebiscito da gestão, afirma historiador
Para Luis Alberto Romero, ao antecipar eleição legislativa,
Cristina quer colocar ao eleitorado a opção: "ou eu ou o caos"
Senado argentino vota
nesta semana proposta do
governo de realizar em
junho pleito anteriormente
marcado para outubro
THIAGO GUIMARÃES
DE BUENOS AIRES
O mundo político está em
polvorosa na Argentina. Há dez
dias, o governo Cristina Kirchner invocou a crise econômica
mundial para antecipar as eleições legislativas em quatro meses. A medida foi aprovada em
três dias na Câmara de Deputados e deve ser ratificada pelo
Senado nesta semana.
Para o historiador Luis Alberto Romero, professor da
Universidade de Buenos Aires
e autor de "História Contemporânea da Argentina" (ed. Jorge Zahar), o casal Néstor e Cristina busca um plebiscito dos
seis anos da era Kirchner, que
passa pelo pior momento, com
fim da bonança econômica, fuga de aliados e avanço da oposição. Leia trechos da entrevista.
FOLHA - Como o sr. vê esse movimento dos Kirchner?
LUIS ALBERTO ROMERO - Como em
tudo que fazem, estão vendo o
que mais lhes convêm. Foram
movidos pela fuga de dirigentes
peronistas. Quiseram se antecipar antes que isso se tornasse
mais agudo e para chegar às
eleições sem uma cadeia de
derrotas provinciais prévias.
FOLHA - A antecipação traz prejuízo institucional?
ROMERO - Sim, porque há uma
lei em vigor. As normas servem
para ser violadas, esse é o estilo
do governo. O problema está no
dano à institucionalidade para
obtenção de proveito político.
FOLHA - O sr. crê em uma tentativa
de desviar a opinião pública de temas desfavoráveis ao governo?
ROMERO - A jogada é transformar isso em um plebiscito. Dizer à gente: "Há muitos problemas, mas vocês querem ratificar a confiança ou que eu largue
tudo e vocês consertem as coisas?" É a alternativa que colocam os Kirchner: eu ou o caos.
FOLHA - Há uma nova articulação
da oposição no país?
ROMERO - O panorama mudou
em apenas seis meses. Mas é
um processo de construção que
leva tempo, e os Kirchner tentaram cortá-lo. Aí não é tão certo que a oposição vá se sair
bem. Se a opção da oposição for
se unir ou ser derrotada, isso
diminuirá as suas chances.
FOLHA - Como vê o papel do vice-presidente opositor, Julio Cobos?
ROMERO - Tenho a impressão
que ele não seria grande coisa
se Kirchner não o tivesse convertido no que é. Não vejo nada
nele, nenhuma proposta.
FOLHA - A estratégia eleitoral do
kirchnerismo privilegiará a periferia
pobre da Grande Buenos Aires?
ROMERO - Nos últimos 25 anos,
com uma sociedade tremendamente empobrecida, o peronismo formou uma máquina política formidável e eficaz nessa
região. O problema para Kirchner não é tanto que as pessoas
não votem nele, mas que o aparato que maneja essa gente lhe
escape. Os prefeitos têm de estar ligados a alguém que ganhe.
FOLHA - O kirchnerismo sob Cristina também tem se aproximado
mais do núcleo duro do peronismo.
ROMERO - Houve uma ilusão
entre setores médios progressistas. Estavam iludidos pelas
medidas progressistas ou pela
bonança econômica. À medida
que a realidade foi desmentindo isso, Néstor aprofundava
traços mais desagradáveis do
seu estilo, e houve essa aproximação da dirigência sindical,
um toma-lá-da-cá absoluto.
FOLHA - Os Kirchner vivem seu pior
momento?
ROMERO - Sim, e o pior está por
vir. Há dificuldades financeiras
em um governo cujo forte foi o
manejo da caixa fiscal. Há também uma aglutinação de atores
sociais com quem o governo se
enfrentou sucessivamente.
FOLHA - E o conflito do governo
com o campo, tem solução?
ROMERO - Qualquer governo
teria solucionado esse conflito
com negociação. É assombroso,
a ideia de transação, princípio
básico da política, está ausente.
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