São Paulo, segunda-feira, 23 de março de 2009

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Casal Kirchner busca plebiscito da gestão, afirma historiador

Para Luis Alberto Romero, ao antecipar eleição legislativa, Cristina quer colocar ao eleitorado a opção: "ou eu ou o caos"

Senado argentino vota nesta semana proposta do governo de realizar em junho pleito anteriormente marcado para outubro


THIAGO GUIMARÃES
DE BUENOS AIRES

O mundo político está em polvorosa na Argentina. Há dez dias, o governo Cristina Kirchner invocou a crise econômica mundial para antecipar as eleições legislativas em quatro meses. A medida foi aprovada em três dias na Câmara de Deputados e deve ser ratificada pelo Senado nesta semana.
Para o historiador Luis Alberto Romero, professor da Universidade de Buenos Aires e autor de "História Contemporânea da Argentina" (ed. Jorge Zahar), o casal Néstor e Cristina busca um plebiscito dos seis anos da era Kirchner, que passa pelo pior momento, com fim da bonança econômica, fuga de aliados e avanço da oposição. Leia trechos da entrevista.

 

FOLHA - Como o sr. vê esse movimento dos Kirchner?
LUIS ALBERTO ROMERO
- Como em tudo que fazem, estão vendo o que mais lhes convêm. Foram movidos pela fuga de dirigentes peronistas. Quiseram se antecipar antes que isso se tornasse mais agudo e para chegar às eleições sem uma cadeia de derrotas provinciais prévias.

FOLHA - A antecipação traz prejuízo institucional?
ROMERO
- Sim, porque há uma lei em vigor. As normas servem para ser violadas, esse é o estilo do governo. O problema está no dano à institucionalidade para obtenção de proveito político.

FOLHA - O sr. crê em uma tentativa de desviar a opinião pública de temas desfavoráveis ao governo?
ROMERO
- A jogada é transformar isso em um plebiscito. Dizer à gente: "Há muitos problemas, mas vocês querem ratificar a confiança ou que eu largue tudo e vocês consertem as coisas?" É a alternativa que colocam os Kirchner: eu ou o caos.

FOLHA - Há uma nova articulação da oposição no país?
ROMERO
- O panorama mudou em apenas seis meses. Mas é um processo de construção que leva tempo, e os Kirchner tentaram cortá-lo. Aí não é tão certo que a oposição vá se sair bem. Se a opção da oposição for se unir ou ser derrotada, isso diminuirá as suas chances.

FOLHA - Como vê o papel do vice-presidente opositor, Julio Cobos?
ROMERO
- Tenho a impressão que ele não seria grande coisa se Kirchner não o tivesse convertido no que é. Não vejo nada nele, nenhuma proposta.

FOLHA - A estratégia eleitoral do kirchnerismo privilegiará a periferia pobre da Grande Buenos Aires?
ROMERO
- Nos últimos 25 anos, com uma sociedade tremendamente empobrecida, o peronismo formou uma máquina política formidável e eficaz nessa região. O problema para Kirchner não é tanto que as pessoas não votem nele, mas que o aparato que maneja essa gente lhe escape. Os prefeitos têm de estar ligados a alguém que ganhe.

FOLHA - O kirchnerismo sob Cristina também tem se aproximado mais do núcleo duro do peronismo.
ROMERO
- Houve uma ilusão entre setores médios progressistas. Estavam iludidos pelas medidas progressistas ou pela bonança econômica. À medida que a realidade foi desmentindo isso, Néstor aprofundava traços mais desagradáveis do seu estilo, e houve essa aproximação da dirigência sindical, um toma-lá-da-cá absoluto.

FOLHA - Os Kirchner vivem seu pior momento?
ROMERO
- Sim, e o pior está por vir. Há dificuldades financeiras em um governo cujo forte foi o manejo da caixa fiscal. Há também uma aglutinação de atores sociais com quem o governo se enfrentou sucessivamente.

FOLHA - E o conflito do governo com o campo, tem solução?
ROMERO
- Qualquer governo teria solucionado esse conflito com negociação. É assombroso, a ideia de transação, princípio básico da política, está ausente.


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