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São Paulo, quarta-feira, 23 de abril de 2003

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Chirac não quer perder dinheiro e ficar isolado

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

A dívida do Iraque com a França é de US$ 8 bilhões. Empresas francesas negociavam com o regime deposto contratos de US$ 7,4 bilhões em petróleo. Nenhum país seria insensato ao ponto de atirar tanto dinheiro pela janela.
Ao recuar de sua antiga intransigência e passar a apoiar a suspensão do embargo econômico contra o Iraque -o que foi defendido por George W. Bush na semana passada-, a França pode ser vista como um parceiro diplomático "realista", que leva em conta um quadro de fatos consumados.
A começar do desfecho da guerra contra o Iraque e a presença militar norte-americana naquele país. Seria inútil bater em teclas (como a transição política administrada pela ONU) que contrariem os interesses imediatos dos Estados Unidos.
Mas há outras formas de entender as declarações de Jean-Marc de la Sablière, embaixador francês na ONU, que ontem não mais condicionou o fim do embargo a um hipotético atestado dos inspetores daquele organismo de que o Iraque não mais teria armas de destruição em massa.
A França apostou que a guerra seria longa e difícil. Ela foi rápida, e a vitória da coalizão anglo-americana, relativamente fácil. Com isso o presidente Jacques Chirac, que condicionava o início das operações militares a um aval do Conselho de Segurança, ficou isolado.
Internamente, os partidos de sua base parlamentar vinham cobrando uma abertura na direção dos norte-americanos. Externamente, Chirac não manteria uma linguagem anti-EUA que Alemanha, Rússia e China já haviam abandonado.
As relações franco-americanas tendiam rapidamente a se deteriorar. O telefonema que Chirac deu a Bush, na semana passada, foi qualificado pelo porta-voz da Casa Branca de "frio como uma conversa entre dois homens de negócios".
Anteontem, segundo o jornal "Libération", Paul Wolfowitz, o segundo na hierarquia do Pentágono, apresentou em reunião um texto no qual propunha marginalizar a França do núcleo das decisões da aliança atlântica.
O Departamento de Estado se oporia a esse isolamento. Mesmo assim, Paris ouviu o sinal de alarme. E passou a multiplicar sinais de reconciliação.
Um deles: o A-M400M, avião europeu de transporte militar que só voará em 2009, mas que tem como núcleo de produção os franceses da Airbus, tenderá a se equipar com turbinas norte-americanas da Pratt & Whitney, em detrimento da indústria francesa (Scecma) ou britânica (Rolls-Royce). Foi anunciado ontem.
E ainda: no Quai d"Orsay, sede da diplomacia francesa, o porta-voz do ministro Dominique de Villepin fez ontem ginásticas retóricas para se dissociar da proposta russa de credenciar os inspetores da ONU como os únicos capazes de certificar que o Iraque está desarmado.


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