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BOLÍVIA
Eleito como presidente dos movimentos sociais, ex-líder cocaleiro tem 80% de aprovação, mas manifestações são diárias
Morales completa 3 meses sob protestos
FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A LA PAZ
Quinta-feira à tarde, praça Murillo, centro da capital boliviana.
Na entrada principal do Palácio
Quemado, a sede do governo federal, meia dúzia de mineiros
com capacetes tentam uma invasão, mas são empurrados por outra meia dúzia de policiais da tropa de choque, armados de escudos. A confusão dura pouco menos de cinco minutos, e os manifestantes saem gritando "ao bloqueio, ao bloqueio".
Ao mesmo tempo, a rua lateral
do palácio está interditada pela
polícia por causa de uma manifestação exigindo a regularização de
uma ocupação urbana. Já a poucas quadras dali, uma centena de
dirigentes da COB (Central Obrera Boliviana) se comprimia numa
sala apertada para aprovar uma
greve geral para o dia seguinte.
Além de reivindicações por categoria, defendiam a "nacionalização sem indenização" das multinacionais que exploram gás, medida descartada por Morales.
E, em Santa Cruz, prosseguiram
até sexta-feira os bloqueios de estrada em protesto à decisão do
governo federal de fechar uma siderúrgica brasileira instalada nesse Departamento e acusada de
violar leis ambientais.
Apesar da tentativa de invasão
do palácio, apenas as duas últimas
manifestações -todas sem coordenação entre si- receberam
destaque da imprensa: afinal, trata-se da Bolívia, onde manifestações e bloqueios de estrada são
tão comuns como beber um copo
d'água. Mas a diferença agora é,
que, há três meses e um dia, o país
é governado pelo socialista Evo
Morales, até pouco tempo atrás o
principal líder das ruas e autoproclamado "presidente dos movimentos sociais".
A ação do MAS (Movimento ao
Socialismo), fundado por sindicatos de produtores de coca, tem
conseguido sufocar parte dos
protestos, sobretudo os convocados pela COB. Anteontem, a paralisação geral foi considerada um
rotundo fracasso. Num dos poucas atos registrados, cerca de 20
manifestantes, em flagrante minoria, foram atacados com ovos
no centro de La Paz por pelo menos 200 pessoas. O protesto durou cinco minutos, fato comemorado pelo governo.
Apesar do fiasco de sexta-feira,
o governo admite um crescimento significativo dos protestos. Na
segunda-feira, reagiu: anunciou a
formação do Estado Maior do Povo. Trata-se de sindicatos alinhados ao governo, cujos líderes, ligados ao MAS, prometem até recorrer à força para defendê-lo.
"Os grandes empresários de
Santa Cruz, os fazendeiros, as
multinacionais e até os narcotraficantes estão se unindo sob o teto
da embaixada americana para
derrubar o governo", disse à Folha o controvertido ex-senador
pelo MAS e sindicalista Román
Loayza, considerado o principal
articulador do movimento.
"Estamos coordenando com a
polícia e o Exército para defender
o nosso presidente. Para isso, usaremos flechas e fundas, como
nossos antepassados indígenas",
afirmou Loayza, que durante a
campanha, provocou o polêmica
ao dizer que Morales seria presidente "por bem ou por mal".
A criação do Estado Maior provocou a ira de dirigentes da COB,
uma enfraquecida versão boliviana da CUT, cuja principal força
está em La Paz. Ontem, acusaram
evistas de serem os autores da
"ovada". Loayza negou.
Na assembléia geral de quinta-feira à noite, em que a Folha esteve presente, uma representante
dos professores disse que "a criação de grupos armados mostra o
fascismo do governo Morales. Já
está comprovado que estamos
num regime fascista". Foi aplaudida pelos outros dirigentes.
Dos três principais focos de instabilidade política boliviana
-ruas, Congresso e movimentos
regionalistas-, este último é o
que promete dar mais trabalho
nos próximos dias. Na quinta, um
confronto entre evistas e regionalistas deixou vários feridos.
O Comitê Cívico Pró-Santa
Cruz, que reúne a elite econômica
local e tem amplo respaldo na população -elegeu o seu candidato
ao governo- promete uma paralisação de 24 horas caso o governo
não atenda 800 exigências de diversas áreas até quarta-feira.
Mas o pior evento ocorreu na
quarta-feira em Puerto Suárez
(Departamento de Santa Cruz,
fronteira com o Brasil). Três ministros foram seqüestrados por 12
horas em protesto contra a decisão de proibir o funcionamento
da siderúrgica brasileira EBX, instalada na região. Só conseguiram
sair disfarçados de policiais.
Apesar da popularidade de Morales chegar a 80%, a preocupação
do MAS tem o precedente de seus
próprios adversários políticos.
Dos últimos três presidentes bolivianos, dois foram derrubados
pela pressão das ruas, respaldada
por Morales. Em junho, foi a vez
de Carlos Mesa, apesar de uma
aprovação de 40% -ele atribui
sua derrocada ao que chama de
"minorias eficientes".
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