São Paulo, domingo, 23 de abril de 2006

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BOLÍVIA

Eleito como presidente dos movimentos sociais, ex-líder cocaleiro tem 80% de aprovação, mas manifestações são diárias

Morales completa 3 meses sob protestos

FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A LA PAZ

Quinta-feira à tarde, praça Murillo, centro da capital boliviana. Na entrada principal do Palácio Quemado, a sede do governo federal, meia dúzia de mineiros com capacetes tentam uma invasão, mas são empurrados por outra meia dúzia de policiais da tropa de choque, armados de escudos. A confusão dura pouco menos de cinco minutos, e os manifestantes saem gritando "ao bloqueio, ao bloqueio".
Ao mesmo tempo, a rua lateral do palácio está interditada pela polícia por causa de uma manifestação exigindo a regularização de uma ocupação urbana. Já a poucas quadras dali, uma centena de dirigentes da COB (Central Obrera Boliviana) se comprimia numa sala apertada para aprovar uma greve geral para o dia seguinte. Além de reivindicações por categoria, defendiam a "nacionalização sem indenização" das multinacionais que exploram gás, medida descartada por Morales.
E, em Santa Cruz, prosseguiram até sexta-feira os bloqueios de estrada em protesto à decisão do governo federal de fechar uma siderúrgica brasileira instalada nesse Departamento e acusada de violar leis ambientais.
Apesar da tentativa de invasão do palácio, apenas as duas últimas manifestações -todas sem coordenação entre si- receberam destaque da imprensa: afinal, trata-se da Bolívia, onde manifestações e bloqueios de estrada são tão comuns como beber um copo d'água. Mas a diferença agora é, que, há três meses e um dia, o país é governado pelo socialista Evo Morales, até pouco tempo atrás o principal líder das ruas e autoproclamado "presidente dos movimentos sociais".
A ação do MAS (Movimento ao Socialismo), fundado por sindicatos de produtores de coca, tem conseguido sufocar parte dos protestos, sobretudo os convocados pela COB. Anteontem, a paralisação geral foi considerada um rotundo fracasso. Num dos poucas atos registrados, cerca de 20 manifestantes, em flagrante minoria, foram atacados com ovos no centro de La Paz por pelo menos 200 pessoas. O protesto durou cinco minutos, fato comemorado pelo governo.
Apesar do fiasco de sexta-feira, o governo admite um crescimento significativo dos protestos. Na segunda-feira, reagiu: anunciou a formação do Estado Maior do Povo. Trata-se de sindicatos alinhados ao governo, cujos líderes, ligados ao MAS, prometem até recorrer à força para defendê-lo.
"Os grandes empresários de Santa Cruz, os fazendeiros, as multinacionais e até os narcotraficantes estão se unindo sob o teto da embaixada americana para derrubar o governo", disse à Folha o controvertido ex-senador pelo MAS e sindicalista Román Loayza, considerado o principal articulador do movimento.
"Estamos coordenando com a polícia e o Exército para defender o nosso presidente. Para isso, usaremos flechas e fundas, como nossos antepassados indígenas", afirmou Loayza, que durante a campanha, provocou o polêmica ao dizer que Morales seria presidente "por bem ou por mal".
A criação do Estado Maior provocou a ira de dirigentes da COB, uma enfraquecida versão boliviana da CUT, cuja principal força está em La Paz. Ontem, acusaram evistas de serem os autores da "ovada". Loayza negou.
Na assembléia geral de quinta-feira à noite, em que a Folha esteve presente, uma representante dos professores disse que "a criação de grupos armados mostra o fascismo do governo Morales. Já está comprovado que estamos num regime fascista". Foi aplaudida pelos outros dirigentes.
Dos três principais focos de instabilidade política boliviana -ruas, Congresso e movimentos regionalistas-, este último é o que promete dar mais trabalho nos próximos dias. Na quinta, um confronto entre evistas e regionalistas deixou vários feridos.
O Comitê Cívico Pró-Santa Cruz, que reúne a elite econômica local e tem amplo respaldo na população -elegeu o seu candidato ao governo- promete uma paralisação de 24 horas caso o governo não atenda 800 exigências de diversas áreas até quarta-feira.
Mas o pior evento ocorreu na quarta-feira em Puerto Suárez (Departamento de Santa Cruz, fronteira com o Brasil). Três ministros foram seqüestrados por 12 horas em protesto contra a decisão de proibir o funcionamento da siderúrgica brasileira EBX, instalada na região. Só conseguiram sair disfarçados de policiais.
Apesar da popularidade de Morales chegar a 80%, a preocupação do MAS tem o precedente de seus próprios adversários políticos. Dos últimos três presidentes bolivianos, dois foram derrubados pela pressão das ruas, respaldada por Morales. Em junho, foi a vez de Carlos Mesa, apesar de uma aprovação de 40% -ele atribui sua derrocada ao que chama de "minorias eficientes".


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