São Paulo, sexta-feira, 23 de abril de 2010

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Viagem por país sem luz e internet é como uma volta ao tempo

Isolados do mundo, desnutridos norte-coreanos idolatram líder morto e filho e defendem busca pela bomba atômica

DO ENVIADO A PYONGYANG

Blecaute toda a noite na capital, um formigueiro humano se locomovendo a pé pelas ruas ao som de marchas revolucionárias, uma sociedade militarizada e um sistema político com uma idolatria à família que comanda o país há 65 anos. Durante uma semana, de 14 a 21 de abril, a Folha percorreu quase mil quilômetros pela Coreia do Norte. Viajar pelo país é como voltar no tempo. Além da carência de energia, que obriga quase todos a passar as noites na escuridão, os moradores do país não têm acesso à internet, os celulares são proibidos, e os carros, raríssimos. ""Queremos resolver os nossos problemas. Confiamos no dirigente [Kim Jong-il]", afirmou o general Kim Chang-zun, 55, comandante de um dos postos de observação na fronteira com o vizinho rico do sul. Os norte-coreanos recebem rações diárias de alimentação do governo e não têm acesso a bens de consumo. A alimentação básica é formada por arroz, vegetais e frango. Em 2006, a Anistia Internacional informou que um inquérito alimentar nacional realizado pelo governo norte-coreano constatou que 7% das crianças eram gravemente desnutridas; 37% eram cronicamente desnutridas; 23,4% estavam abaixo do peso. Pyongyang não tem cartazes de publicidade com grifes, mas a poluição visual é grande. O único anunciante é o governo local, que espalha por todo o país estátuas, cartazes e frases do ""presidente eterno" Kim Il-Sung, que governou o país entre 1945 e 1994, e de seu filho, o ""querido líder" Kim Jong-il, que o sucedeu. Numa das principais avenidas de Pyongyang, mais de dez frases celebrando a família foram colocadas em cima de edifícios. Nos seus 49 anos no poder, Kim Il-sung instituiu o maior culto à personalidade do mundo. Moradores choram diante do seu corpo, embalsamado no antigo palácio presidencial, e o reverenciam com flores nos monumentos pela cidade. Diariamente, os norte-coreanos são despertados na capital com músicas revolucionárias ou sobre as conquistas da família do ""presidente eterno". Os hinos são tocados também na volta dos moradores para as suas casas. O retorno é feito a pé, nos lotados ônibus cedidos pela antiga Alemanha Oriental ou no metrô, que tem estações construídas a 90 metros de profundidade que podem servir de abrigo nuclear. As mulheres trabalham pesado, mas não têm os mesmos direitos que os homens. Elas não conduzem carros nem bicicletas. Também não podem fumar. Ao mesmo tempo são elas que tentam organizar o trânsito local, que tem ruas pouco movimentadas. Em quase todos os cruzamentos, há mulheres-semáforos. Elas chamam a atenção pela frenética coreografia, repetida mecanicamente mesmo com as ruas vazias.
A guerra
""O presidente é um gênio. Ele não se submeteu aos EUA. Por isso, ganhou a guerra", disse o tenente Im Dong-chol, 39, que serve na zona desmilitarizada na fronteira com a Coreia do Sul. Im se refere à Guerra da Coreia, travada entre 1950 e 1953, onde cerca de 3,5 milhões de pessoas morreram. Os americanos apoiaram a Coreia do Sul. Oficialmente, os dois países continuam em guerra, em estado de cessar-fogo. O Exército é um dos grandes empregadores num dos estados mais militarizados do mundo. Mais de 1 milhão de norte-coreanos integram a força. Na TV, que tem somente três canais, a programação é sempre a mesma - exaltação aos líderes e música revolucionária. A Folha não viu sinal de protestos na cidade. Mesmo com as dificuldades, todas as pessoas tinham roupas num frio de quase 0 ºC, as crianças estudam até os 16 anos e o sistema de saúde, em tese, atende a todos como promete o governo. ""Somos um país muito sofrido, mas temos orgulho das nossas conquistas. Acreditamos que, em 2012, daremos um salto muito grande", disse um dos guias que acompanharam a Folha, que se identificou só como Kim. Ele se referia ao plano de metas do governo, que pretende crescer 20% em 2012, ano do centenário de nascimento do "presidente eterno".

Leia texto sobre a vida das mulheres no país

www.folha.com.br/1011214


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